São Paulo, domingo, 18 de novembro de 2007

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Atores viram "maratonistas" dos palcos

Cléo De Páris, Ana Andreatta e Sergio Guizé são alguns dos que têm duas ou mais peças em cartaz em SP atualmente

"Campeão" da correria é Henrique Mello, que atua em espetáculos cujas sessões de sábado começam exatamente na mesma hora

LENISE PINHEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

O nome do ator Henrique Mello, 25, aparece nos créditos da peça "Roxo", cuja sessão de sábado começa às 20h30, no Espaço dos Satyros 1, na praça Roosevelt, centro de São Paulo. A menos de cem metros dali, no Satyros 2, em dia, horário e praça idênticos, tem início "120 Dias de Sodoma", que traz no elenco o mesmo Mello. Se ainda é impossível estar simultaneamente em dois palcos, o ator chega bem perto da façanha ao encarnar, em menos de duas horas, um baixista iniciante e um jovem explorado sexualmente por nobres.
Passados os primeiros 20 minutos de "Roxo", Mello deixa para trás falas e marcações do músico adolescente para embrenhar-se, pela próxima hora e meia, no mundo perverso dos contos do marquês de Sade (veja acima o passo-a-passo de uma noite de sábado do ator).
Ele até pode ostentar o título de "maratonista-mor" dos palcos -dada a sobreposição de horários dos espetáculos-, mas não está sozinho na modalidade: ao longo da semana, vários colegas de ofício se revezam entre diversos papéis. É o caso de Ana Andreatta, 37, em cartaz com "A Festa de Abigaiu" (qui.) e "Simpatia" (sex. a dom.); Sergio Guizé, 27, que está em "Monólogos da Marijuana" (ter. e qua.) e "Delicadeza" (qui. e sex.); e Cléo De Páris, 35, em "El Truco" e "Divinas Palavras" (sáb. e dom.).
Há três meses se dividindo entre duas montagens, Mello diz que o pior já passou. "No começo, era punk. A cabeça ficava fervendo. No fim, dava uma sensação de alívio. Agora, está mais orgânico, os conceitos estão formados", avalia. Com tão pouco tempo para se "desligar" de um personagem e "entrar" no outro, ele não receia trocar as falas? "É um medo constante, mas maior é o temor de uma peça atrasar e afetar a minha entrada na outra", afirma.

Falas trocadas
Quem já se confundiu em cena (num ensaio geral) foi Ana Andreatta. Recentemente, às vésperas da reestréia de "A Festa de Abigaiu", ela repassava o texto de sua personagem quando se viu soltando o começo da fala de um de seus papéis em "Simpatia". "O diretor ficou apavorado", lembra. Para evitar tropeços, relê diariamente cada peça. "Memorizo a sonoridade do personagem, se fala rápido ou devagar."
"Maratonista" novata (desdobra-se entre os espetáculos há 20 dias), ela fala das desvantagens da dupla jornada. "É uma loucura, dá um nó na cabeça. Quero dar um tempo nisso."
Mais escolado (participou de sete peças desde janeiro, com temporadas concomitantes), Sergio Guizé conta que, durante dois meses, subiu ao palco de terça a domingo, em três montagens distintas. "Saía da comédia ["Monólogos'] para um texto superpesado ["Delicadeza'] e emendava com Sade [em "120 Dias de Sodoma']. Não conseguia fazer mais nada. Mas, se fosse para viver de bilheteria, teria que atuar em cinco peças ao mesmo tempo", observa.
Quando faz dois personagens na seqüência, o ator usa o intervalo que lhe é dado para "tentar voltar à neutralidade, por meio de exercícios de alongamento e respiração". "A maior dificuldade [para acertar o tom de um personagem] é na hora da criação, dos ensaios. Depois, o lance é mecânico: já vem a densidade de um, a leveza do outro."
Outra que tem larga experiência em temporadas teatrais simultâneas é Cléo De Páris. É do período em que encenou "Inocência" e "A Filosofia na Alcova" que ela guarda esta anedota: ""Inocência acabava às 23h30 e "Filosofia" começava à 0h. Não dava nem para comer um salgado. Uma noite, em meio ao silêncio absoluto de uma cena de "Filosofia", minha barriga começou a roncar."
Em outra ocasião, ela apresentava o infantil "O Dia das Crianças" com o rosto todo pintado de branco. Ao fim da sessão, o táxi que a levava para o Espaço dos Satyros, onde faria "El Truco" meia hora depois, servia de camarim. "Ia tirando a maquiagem no caminho, mas não dava tempo de terminar. A sorte é que a primeira cena em "Truco" era com uma máscara."
Em maior ou menor medida, três dos atores ouvidos pela Folha dizem que acumulam trabalhos por uma questão financeira. Cléo discorda. "Para mim, trata-se de uma necessidade artística. Talvez até compensasse mais não atuar em tantas peças, para poder fazer comerciais."


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