São Paulo, Sábado, 18 de Dezembro de 1999


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TEATRO - CRÍTICA
"Boca", no Oficina, é a tragédia do subúrbio

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Jaqueline Dalabona é Maria Luísa, na estréia de "Boca de Ouro"


NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Boca de Ouro ri muito. Está no texto, nas rubricas. É um riso torcido, pesado, de cafajeste, mas como uma criança, enfim, "um riso ricto de choro". Marcelo Drummond, como Boca, ri muito -e no meio do riso há rajadas de ingenuidade, de medo, terror; de outro lado, há traços do homicida, do sádico.
Está nessa risada, em seus cortes e variações, a tragédia de "Boca de Ouro", tragédia carioca, como o próprio autor, Nelson Rodrigues, define a peça. Uma tragédia grotesca, conscientemente carregada de piadas, tragédia de jornal popular como a que matou o irmão do dramaturgo, Roberto.
Nelson Rodrigues era um repórter adolescente quando viu e ouviu uma "madame" -como aquela que mata Boca fora de cena- entrar no jornal e matar seu irmão. Ela tinha sido acusada de adultério pelo jornal. É essa a "tragédia carioca" como encenada por Zé Celso, em que os protagonistas são bicheiros, "grã-finas", torcedores do Fluminense, jovens recatadas de subúrbio.
A atuação de Marcelo Drummond é a melhor notícia deste "Boca de Ouro". O carioca de tragédia está lá, por inteiro. A interpretação é para fora, para o público, como requer a própria arquitetura do teatro, e é abusada, engraçada; mas pela primeira vez se sente que personagem e espetáculo teriam a ganhar, se fechassem o foco. A interpretação do bicheiro carioca é rica e como que pede mais, quer mais.
No geral, as atuações são o melhor do espetáculo do Oficina. Nelson Rodrigues escrevia para atores, mais do que para encenações. Na montagem de Zé Celso, jovens integrantes da companhia, como Camila Mota (Celeste), Fernando Coimbra (Leleco) e Sylvia Prado (D. Guigui), apresentam um salto de amadurecimento, com interpretações mais sólidas e aprofundadas.
E uma modelo como Jaqueline Dalabona, que faz a "grã-fina" Maria Luísa, nem chega a aparentar sua inexperiência. Na segurança, no arrojo, até mesmo na voz, para não falar da beleza: ela é, em quase tudo, uma atriz feita -e que pode desaparecer logo, não tenha dúvida, numa telenovela qualquer.
A encenação segue, no mais das vezes, os estímulos do texto célebre do psicanalista Hélio Pellegrino, amigo do autor, que viu em "Boca de Ouro" uma metáfora trágica da alquimia: Boca, que nasce num banheiro de gafieira, tenta transformar o excremento de sua existência em ouro, mas termina assassinado, desdentado, na sarjeta.
É uma vertente estimulante, como se percebe na cenografia, uma rua de sangue, mas a encenação não vai muito além, desta vez menos barroca, acumulativa. Sobretudo, para além dos equívocos típicos de estréia, percebeu-se nela a falta de vigor e, sem ele, do rito -que é só esboçado, talvez ainda venha a ganhar intensidade, mas que começou trôpego.


Avaliação:     


Peça: Boca de Ouro
Texto: Nelson Rodrigues
Direção: José Celso Martinez Corrêa
Com: Marcelo Drummond, Camila Mota, Fernando Coimbra, Zé Celso e outros
Quando: hoje, às 21h; amanhã, às 20h; dia 23, às 14h30; dia 25, às 21h; dia 26, às 20h. Únicas apresentações
Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, tel. 0/xx/11/3106-2818)
Quanto: R$ 5 (dia 23) e R$ 20 (demais apresentações)


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