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TEATRO CRÍTICA
"Ventriloquist" se despede do século, rindo
da Reportagem Local
A certa altura, uma das atrizes
de "Ventriloquist" interrompe a
cena hilariante em que fazia uma
cartomante, vai para a boca de cena e faz um discurso contra a linearidade na arte. Não era necessário, e é uma das passagens não-resolvidas da peça.
Gerald Thomas e sua arte desordenada não precisam mais de
"explicação" -outro alvo do discurso. A leitura não-linear se vulgarizou, com a disseminação da
Internet, do cabo. O público, hoje,
pouco se importa com a falta de
"história". Até pelo contrário, pode-se afirmar que a fragmentação
se incorporou à norma, estabeleceu-se. Daí, talvez, uma certa sensação de "déjà vu".
O próprio diretor parece rir disso, como um observador distanciado de seu teatro. Até diz, em
"off": "Todos sabem o que esperar de mim". Esse é um dos prismas para ler, por outro lado, as
cenas com o estilista kitsch Gianni
Versace, personagem que se avulta na peça, em parte pela atuação
de Marcos Azevedo.
Mas Thomas não é só, afinal de
contas, esse pós-modernismo de
imagens da diversidade contemporânea; pós-modernismo que é,
aliás, antes moldura do que essência. Seu humor, aqui aberto, franco, e sua obsessão com a dissolução da identidade deixam vislumbrar a pouco esmiuçada vertente
judaica de sua arte.
Esse é um dos inúmeros caminhos que se podem tomar diante
de "Ventriloquist". Outro é o da
sátira da sociedade brasileira, daquela que compõe o público de
teatro, tão mordazmente espelhado na "festa" de monólogos do espetáculo. Diante dessa orgia de
monólogos de bufões, o diretor é
representado no mordomo Andy
Warhol, distanciado, rindo de todos e de si mesmo.
"Ventriloquist" tem um viés de
despedida, como se fosse o último
dos trabalhos do diretor neste século que não tem jeito, neste Brasil que não tem jeito. É o "bye bye
Brazil" de um segmento particular, urbano, decadente, que se reflete até na cenografia, inesperadamente "suja". Mas não deixa de
ter um sinal de futuro, na qualidade inesperada do elenco, em parte
formado pelo diretor.
Muriel Matalon, no papel de
Moisés, dá forma a uma certa serenidade do espetáculo. Uma cena em especial: enquanto no centro do palco acontece um evento
de moda em contraponto a um
ônibus lotado, Matalon, na frente
do palco, observa a platéia longamente, com um sorriso entre irônico e afetuoso.
Por outro lado, ela fala e não se
nota em sua inflexão a afronta
costumeira da Cia. de Ópera Seca
-e das locuções do diretor.
No jovem elenco, um registro
destacado para duas atrizes: Camila Morgado, que faz Arão, o irmão de Moisés, e Bird, um alter
ego central do diretor (todos são,
na verdade); e Fabiana Guglielmetti, que faz a cartomante na cena de maior nonsense.
A primeira atriz tem um rosto
dos mais suaves e expressivos, de
uma ironia fina em meio à confusão ambiente. A segunda, em suas
diversas cenas, é a grande comediante que Gerald Thomas sempre buscou, sem encontrar, nas
suas peças.
(NELSON DE SÁ)
Avaliação:
Peça: Ventriloquist
Concepção e direção: Gerald Thomas
Com: Muriel Matalon, Marcos Azevedo e
outros
Quando: hoje, às 21h; amanhã, às 19h.
Últimas apresentações
Onde: Teatro Sesc Vila Mariana (r.
Pelotas, 141, SP, tel. 0/xx/11/5080-3147)
Quanto: R$ 15
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