São Paulo, Sábado, 18 de Dezembro de 1999


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TEATRO CRÍTICA
"Ventriloquist" se despede do século, rindo

da Reportagem Local

A certa altura, uma das atrizes de "Ventriloquist" interrompe a cena hilariante em que fazia uma cartomante, vai para a boca de cena e faz um discurso contra a linearidade na arte. Não era necessário, e é uma das passagens não-resolvidas da peça.
Gerald Thomas e sua arte desordenada não precisam mais de "explicação" -outro alvo do discurso. A leitura não-linear se vulgarizou, com a disseminação da Internet, do cabo. O público, hoje, pouco se importa com a falta de "história". Até pelo contrário, pode-se afirmar que a fragmentação se incorporou à norma, estabeleceu-se. Daí, talvez, uma certa sensação de "déjà vu".
O próprio diretor parece rir disso, como um observador distanciado de seu teatro. Até diz, em "off": "Todos sabem o que esperar de mim". Esse é um dos prismas para ler, por outro lado, as cenas com o estilista kitsch Gianni Versace, personagem que se avulta na peça, em parte pela atuação de Marcos Azevedo.
Mas Thomas não é só, afinal de contas, esse pós-modernismo de imagens da diversidade contemporânea; pós-modernismo que é, aliás, antes moldura do que essência. Seu humor, aqui aberto, franco, e sua obsessão com a dissolução da identidade deixam vislumbrar a pouco esmiuçada vertente judaica de sua arte.
Esse é um dos inúmeros caminhos que se podem tomar diante de "Ventriloquist". Outro é o da sátira da sociedade brasileira, daquela que compõe o público de teatro, tão mordazmente espelhado na "festa" de monólogos do espetáculo. Diante dessa orgia de monólogos de bufões, o diretor é representado no mordomo Andy Warhol, distanciado, rindo de todos e de si mesmo.
"Ventriloquist" tem um viés de despedida, como se fosse o último dos trabalhos do diretor neste século que não tem jeito, neste Brasil que não tem jeito. É o "bye bye Brazil" de um segmento particular, urbano, decadente, que se reflete até na cenografia, inesperadamente "suja". Mas não deixa de ter um sinal de futuro, na qualidade inesperada do elenco, em parte formado pelo diretor.
Muriel Matalon, no papel de Moisés, dá forma a uma certa serenidade do espetáculo. Uma cena em especial: enquanto no centro do palco acontece um evento de moda em contraponto a um ônibus lotado, Matalon, na frente do palco, observa a platéia longamente, com um sorriso entre irônico e afetuoso.
Por outro lado, ela fala e não se nota em sua inflexão a afronta costumeira da Cia. de Ópera Seca -e das locuções do diretor.
No jovem elenco, um registro destacado para duas atrizes: Camila Morgado, que faz Arão, o irmão de Moisés, e Bird, um alter ego central do diretor (todos são, na verdade); e Fabiana Guglielmetti, que faz a cartomante na cena de maior nonsense.
A primeira atriz tem um rosto dos mais suaves e expressivos, de uma ironia fina em meio à confusão ambiente. A segunda, em suas diversas cenas, é a grande comediante que Gerald Thomas sempre buscou, sem encontrar, nas suas peças. (NELSON DE SÁ)


Avaliação:     


Peça: Ventriloquist Concepção e direção: Gerald Thomas Com: Muriel Matalon, Marcos Azevedo e outros Quando: hoje, às 21h; amanhã, às 19h. Últimas apresentações
Onde: Teatro Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141, SP, tel. 0/xx/11/5080-3147) Quanto: R$ 15


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