|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CD traz viola caipira de beca e fardão
"Sons do Grande Sertão" leva a viola para o campo da erudição ao unir pilares da cultura do cerrado
JOSÉ HAMILTON RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
José Perez, filho de espanhol com índia, nascido
pelos lados de Sorocaba,
e que vem a ser o Tinoco, da dupla Tonico e Tinoco -um dos
dois únicos patriarcas da música caipira vivos- costuma dizer: "No meu tempo na roça, não tinha rádio, não tinha nada.
Não tinha nem apito de trem".
Tudo que ouvia e que seria o
manancial de sua arte vinha do
sertão.
A música caipira floresceu a
partir dos anos 20 (com força,
até os anos 70), quando o Brasil
era essencialmente rural.
Durante bom tempo, 80%
dos brasileiros viviam nos sítios, nas fazendas, nas corrutelas, e esse era o universo da música caipira. Aí, começou a mudar, e hoje dá-se até o inverso:
mais de 80% da população está
na cidade. O mundo do caipira
desabou. Como lamenta Júnior
Borges, violeiro de Uberaba:
"Não tem mais carro de boi,
boiada, tropeiro, sapé, ranchinho beira-chão, baile na roça.
Caça sumiu, os rios estão poluídos, peixe agora só de pesque-pague. Fazer música caipira com o quê?".
As pessoas dizem que a música caipira está hoje diante de
três opções: a dos "sertanejos
modernos", essas duplas de sucesso que estão mais para subúrbio que para o campo; a dos
tradicionalistas, que a querem
como era, embora isso seja irreal; e terceira, a que leva a viola
para o campo da erudição.
Esse CD "Sons do Grande
Sertão", que acompanha a revista "Estudos Avançados da
USP", é um documento apropriado e precioso da viola caipira tratada como instrumento de orquestra sinfônica e da temática caipira como assunto
de estudo.
Não sei se o povão que curte
as modas pelo forte apelo emocional das letras vai se sentir
em casa com esse disco, mas,
para mim, sinto que é coisa valiosa, entre outros motivos, pelo encontro que promove de três grandes pilares da cultura
do cerrado: Guimarães Rosa,
por "Grande Sertão: Veredas";
Antonio Candido, por "Parceiros do Rio Bonito" -este o mais
belo estudo do mundo caipira
paulista-; e a viola caipira, aqui
manejada com talento por Ivan
Vilela, Renato Andrade, Tavinho Moura, Rodrigo Delage,
Paulinho Freire.
Além desse "encontrão com a
história" e de bons intérpretes,
o CD conta com algumas raridades, como a voz do vaqueiro
Manuelzão puxando o aboio da
faixa dez e o venerável prof. Antonio Candido pondo versos de
Guimarães Rosa em antiga moda e cantando-a com timidez,
mas com sua própria voz!
Se isso fosse possível, era o
caso de sugerir a formação de
uma nova dupla caipira: Antonio C. e João Rosa. Ia ser coisa
de cinema.
O jornalista JOSÉ HAMILTON é autor de "Música Caipira - As 270 Maiores Modas de Todos os
Tempos", da ed. Globo (R$ 32; 272 págs.).
Texto Anterior: Guilherme Wisnik: Shoppings na contramão Próximo Texto: Memória: Escritor "doou" obra à mulher Aracy Índice
|