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TEATRO
"NOVAS DIRETRIZES EM TEMPO DE PAZ"
Texto de Bosco Brasil narra drama de imigrante sobrevivente de guerra
Montagem tem fragilidade de um "cult"
Lenise Pinheiro/Folha Imagem
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Dan Stulbach e Jairo de Mattos em cena de "Novas Diretrizes em Tempos de Paz", um texto de Bosco Brasil, em cartaz no teatro Ágora |
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"Novas Diretrizes em
Tempo de Paz" tem o
charme e a fragilidade de uma
montagem "cult". Apresentado
inicialmente em setembro passado em um ciclo de leituras de textos inéditos (Ágora Livre Dramaturgias, que reuniu outros autores), o texto de Bosco Brasil teve
uma boa acolhida, o que o habilitou assim a voltar enquanto montagem nesse mesmo teatro Ágora.
Introduz a figura do imigrante
sobrevivente de guerra, raro em
nossa dramaturgia, que é feito
com concentração e empatia por
Dan Stulbach, entre a esperteza e
a ingenuidade, remetendo um
pouco à imagem de Forrest
Gump. A ação se concentra nos 50
minutos que tal imigrante tem para convencer o delegado, ex-torturador sem função no fim da ditadura de Vargas, a conceder-lhe
o visto de permanência no país.
Contrapontos vão se desenhando, não raro flertando com a metalinguagem. O imigrante é um
ator polonês, apaixonado pela língua portuguesa e repugna em
usá-la para narrar as suas lembranças de guerra. Jairo Mattos
faz o delegado que, treinado para
obedecer superiores e torturar
presos, não sabe como sobreviverá em tempos de paz.
Talvez por sua personagem exigir menos, Mattos acaba transparecendo um certo desleixo, tornando mais previsível o depoimento do delegado. Querendo
evitar o maniqueísmo, cai em fragilidade fácil, que entrega de antemão a vitória ao antagonista.
O texto de Bosco Brasil poderia
funcionar como fábula, mais do
que reconstituição de época, mas
ainda parece imaturo. Firma-se
em excesso em bordões que acabam desviando a atenção do conflito. Arrisca-se a explicitar o tempo real ("Você tem dez minutos
para me fazer chorar", desafia o
delegado), mas não cumpre a
aposta (o imigrante leva bem
mais tempo e, quando consegue,
o clímax já soa implausível). Acaba se resolvendo em uma ingênua
exaltação ao teatro, quando suas
premissas davam esperanças de
um debate mais profundo.
A direção de Ariela Goldman
tem o mérito de se concentrar nos
atores, mas acaba pecando por
excesso de detalhes: limita-se a
compor retratos. Não questiona o
texto, não propõe cortes nem distanciamentos, por excesso de
cumplicidade, talvez, já que Goldman já contracenava com Jairo
Mattos em "Budro" e "Atos e
Omissões". Para se superar, Brasil
precisaria de um diretor "de fora", que não deixasse seus atos redundarem em omissões.
Quase assumido enquanto esboço, o que é bastante saudável, o
espetáculo infelizmente acaba parecendo mais longo que seus 50
minutos. Tem o mérito de propor
novas diretrizes para um tempo
menos maniqueísta, no qual o
horror da tortura é um fato histórico, uma vergonha confessada,
mais que uma denúncia premente. Abre a porta para uma nova
rodada de textos inéditos nacionais que se anuncia vigorosa nesse início de temporada.
Novas Diretrizes em Tempo de Paz
Direção: Ariela Goldman
Com: Dan Stulbach e Jairo Mattos
Onde: teatro Ágora (r. Rui Barbosa, 672,
Bela Vista, SP, tel. 0/xx/11/3284-0290)
Quando: de qui. a dom., às 21h. Até 27/2
Quanto: R$ 20
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