São Paulo, sábado, 19 de janeiro de 2002

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"A MEMÓRIA DA ÁGUA"

Felipe Hirsch se deixa diluir em texto raso

CRÍTICO DA FOLHA

No ano passado, Felipe Hirsch despontava ao aliar a inventividade do teatro experimental ao intimismo do teatro realista. Agora, a escolha do texto de Shelagh Stephenson prometia superar a dramaturgia fragmentada das montagens anteriores, de citações alinhavadas por um narrador, para um mais maduro espetáculo baseado no despojamento e na atuação.
Ainda não foi dessa vez, no entanto, que Hirsch deixou a ribalta para os atores. Se Eliane Giardini consegue incorporar as marcas, criar uma perspectiva para sua personagem e até mesmo se divertir com ela, a monocórdica entonação de Andrea Beltrão e os trejeitos adolescentes de Ana Beatriz Nogueira ressentem-se talvez de uma excessiva intervenção do diretor. Não que seja incompetente: uma marcação precisa, quase coreográfica, é bem valorizada pelo cenário de Rita Murtinho, que remete às úmidas paredes dos filmes de Tarkovski e com poucos elementos constrói um quarto mutável, como que mostrado por vários pontos de vista.
No entanto, a projeção de vinhetas em primeiro plano ao som da trilha pop (marca registrada de Hirsch), que impressiona primeiro pela beleza, esvazia-se pela repetição, já que se limita a reforçar climas e referências do texto e acaba expondo suas fragilidades.
Sem o fleuma de Harold Pinter nem a bílis de Nelson Rodrigues, Stephenson expõe um humor ralo ao apresentar as lavações de roupa suja de três irmãs no velório da mãe. Sucedem-se velhos rancores e segredos mesquinhos, aliviados por tiradas cínicas que fazem com que todos se pareçam, até mesmo a mãe, apesar de sua condição de fantasma, e as insossas figuras masculinas, das quais os atores têm pouco a tirar.
É de perguntar por que Hirsch foi buscar então esse texto para sua galeria de memórias. Evita aderir a seu realismo raso, mas não deixa claro o que quer. Acaba diluindo seus recursos em algo insípido, inodoro e esquecível.
(SERGIO SALVIA COELHO)


A Memória da Água
  
Texto: Shelagh Stephenson
Direção: Felipe Hirsch
Com: Andrea Beltrão, Eliane Giardini e Ana Beatriz Nogueira
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, SP, tel. 0800-558191)
Quando: sex. e sáb., às 21h; e dom., às 18h; até 3 de fevereiro
Quanto: R$ 20 a R$ 40




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