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"A MEMÓRIA DA ÁGUA"
Felipe Hirsch se deixa diluir em texto raso
CRÍTICO DA FOLHA
No ano passado, Felipe
Hirsch despontava ao aliar a
inventividade do teatro experimental ao intimismo do teatro
realista. Agora, a escolha do texto
de Shelagh Stephenson prometia
superar a dramaturgia fragmentada das montagens anteriores, de
citações alinhavadas por um narrador, para um mais maduro espetáculo baseado no despojamento e na atuação.
Ainda não foi dessa vez, no entanto, que Hirsch deixou a ribalta
para os atores. Se Eliane Giardini
consegue incorporar as marcas,
criar uma perspectiva para sua
personagem e até mesmo se divertir com ela, a monocórdica entonação de Andrea Beltrão e os
trejeitos adolescentes de Ana Beatriz Nogueira ressentem-se talvez
de uma excessiva intervenção do
diretor. Não que seja incompetente: uma marcação precisa,
quase coreográfica, é bem valorizada pelo cenário de Rita Murtinho, que remete às úmidas paredes dos filmes de Tarkovski e com
poucos elementos constrói um
quarto mutável, como que mostrado por vários pontos de vista.
No entanto, a projeção de vinhetas em primeiro plano ao som
da trilha pop (marca registrada de
Hirsch), que impressiona primeiro pela beleza, esvazia-se pela repetição, já que se limita a reforçar
climas e referências do texto e
acaba expondo suas fragilidades.
Sem o fleuma de Harold Pinter
nem a bílis de Nelson Rodrigues,
Stephenson expõe um humor ralo ao apresentar as lavações de
roupa suja de três irmãs no velório da mãe. Sucedem-se velhos
rancores e segredos mesquinhos,
aliviados por tiradas cínicas que
fazem com que todos se pareçam,
até mesmo a mãe, apesar de sua
condição de fantasma, e as insossas figuras masculinas, das quais
os atores têm pouco a tirar.
É de perguntar por que Hirsch
foi buscar então esse texto para
sua galeria de memórias. Evita
aderir a seu realismo raso, mas
não deixa claro o que quer. Acaba
diluindo seus recursos em algo insípido, inodoro e esquecível.
(SERGIO SALVIA COELHO)
A Memória da Água
Texto: Shelagh Stephenson
Direção: Felipe Hirsch
Com: Andrea Beltrão, Eliane Giardini e
Ana Beatriz Nogueira
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de
Andrade Filho, 722, SP, tel. 0800-558191)
Quando: sex. e sáb., às 21h; e dom., às
18h; até 3 de fevereiro
Quanto: R$ 20 a R$ 40
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