São Paulo, quarta-feira, 19 de janeiro de 2005

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CD revive missão de Mário de Andrade

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Senhorinha Freire tinha 20 anos quando passou por sua Tacaratu -cidade do sertão pernambucano- a Missão de Pesquisas Folclóricas enviada por Mário de Andrade. Em 2004, com 86 anos e morando em Jaboatão, perto da capital, ela pôde ouvir pela primeira vez a voz juvenil com que registrou canções tradicionais em 1938 e, ainda, regravar essas canções e apresentar outras.
Tudo isso foi possível graças a um projeto do pesquisador Carlos Sandroni, 46, carioca que dá aulas no Núcleo de Etnomusicologia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Com patrocínio da Petrobras e apoio da Fundação Vitae, ele e sua equipe voltaram a cidades de Pernambuco e da Paraíba visitadas pela histórica missão, que era integrada por Luís Saia, Martin Braunwieser, Benedicto Pacheco e Antônio Ladeira -Mário de Andrade, então diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, não viajou.
Parte do resultado está em "Responde a Roda Outra Vez", dois CDs com uma hora cada um que vêm encartados num robusto catálogo, no qual estão as letras das 57 faixas, além de textos e comentários assinados por Sandroni e pelos professores Maria Ignez Novais Ayala e Marcos Ayala, da Universidade Federal da Paraíba, parceiros no projeto.
O livro-CD é lançado hoje, no Centro Cultural São Paulo, com a participação de Eduardo Silvestre e Fenelon Dantas (Paraíba), e do grupo Samba de Coco Raízes de Arcoverde (Pernambuco).
É uma chance para comprá-lo, já que ele não terá grande distribuição comercial. Da tiragem de 3.000 exemplares, dois terços estão indo para bibliotecas e escolas públicas e para as pessoas que gravaram temas tradicionais de suas comunidades.
"A idéia não era fazer uma missão que registrasse as músicas e depois cortasse os laços com a cultura local. Queríamos propiciar benefícios às comunidades", conta Sandroni.
Quem participou das gravações foi remunerado, o que permitiu ganhos sociais como o de um homem que comprou uma geladeira e hoje vende comida. Um outro projeto paga a antigos mestres para ensinar a jovens como tocar sanfona e outros instrumentos.
"Ao mostrarmos os registros de 38 e fazermos novas gravações, as pessoas se sentiram parte de uma história importante. Os CDs servem para que os filhos ouçam o que os pais cantavam e repassem para seus filhos", diz Sandroni. A festa de São Gonçalo, registrada pela missão na pernambucana Tacaratu, foi gravada em Santa Brígida (Bahia) para o projeto.
Ele está empenhado para que as comunidades possam receber direitos autorais pelas canções que foram produzidas nelas, mas cuja autoria hoje é desconhecida. "É preciso criar mecanismos de proteção jurídica", defende.
Além de Senhorinha Freire, a equipe do projeto localizou outro remanescente da missão: o paraibano Biu Saloia. E encontrou gente mais nova que não canta mais as músicas tradicionais, mas que as têm em algum lugar da memória. É o caso do filho de um cantador de coco que, ao ouvir a voz do pai gravada em 38, começou a se lembrar do que o pai cantava.
O coco é um dos gêneros que, registrados há 67 anos, continuam fortes no Nordeste, segundo Sandroni. A embolada, o reisado e o congo são expressões que também não se perderam.
Já tradições a que Mário de Andrade dava grande importância, como o canto dos carregadores de piano e o canto dos trabalhadores de pedra, perderam-se junto com as profissões ou se fundiram com outras tradições.
"A missão seguiu o pensamento de Mário e privilegiou os cantos rurais, os rituais afro-brasileiros, as danças dramáticas. Com manifestações que eles já achavam "misturadas", menos "puras", eles parecem ter ficado um pouco decepcionados", afirma.
Arcoverde (PE), Areia (PB), e Cajazeiras (PB) são outras das cidades visitadas pela missão e revisitadas por Sandroni. Seu próximo projeto é refazer gravações nas capitais do itinerário de 38: Recife, João Pessoa (PB), São Luís (MA) e Belém (PA).
Ele ainda quer catalogar e disponibilizar para consulta as mais de 20 horas de gravação que estão na UFPE. Nunca lançados em CD, os registros da missão podem ser consultados na discoteca Oneyda Alvarenga, no Centro Cultural São Paulo.


RESPONDE A RODA OUTRA VEZ. Lançamento: hoje, às 19h, na Sala Adoniran Barbosa do Centro Cultural São Paulo (rua Vergueiro, 1000, Paraíso, tel. 0/xx/11/3277-3611). Quanto: R$ 60. Como encomendar: 0/xx/81/2126-8597 ou anitafreitas@yahoo.com.


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