São Paulo, quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMIDA

Restaurantes de SP e do Rio servem pipoca, algodão-doce e outras iguarias infantis para adultos

Sabor de infância

CRISTIANE LEONEL
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem não se lembra de ter limpado as mãos na roupa depois de se lambuzar com um enorme algodão-doce no parque? Ou do cheiro de pipoca doce que vinha do carrinho estacionado em frente ao circo e ao cinema? Para resgatar essa época, esses doces estão, pouco a pouco, invadindo os menus dos restaurantes de alta gastronomia e bufês (para adultos) de São Paulo e do Rio.
A pipoca foi a inspiração da chef carioca Roberta Sudbrack, proprietária do restaurante homônimo no Rio de Janeiro, para criar um clafoutis (espécie de omelete doce) com calda de chocolate. Os grãos de milho estourados vêm por cima de tudo e são salgados "para dar um contraste de sabor". Mas pipoca pode entrar no cardápio de um restaurante de alta gastronomia?
"Todo ingrediente deve ser respeitado, do mais simples ao mais requintado." Para Sudbrack, a cozinha está totalmente ligada às lembranças de cada um, por isso também é válida a inclusão de elementos lúdicos e infantis num menu. "Além do serviço, do nível do ar-condicionado e da música do restaurante, tenho o dever de me preocupar com a diversão que vou proporcionar ao cliente", explica a chef, que foi a primeira mulher a ter comandado a cozinha de um Palácio do Planalto (no mandato de Fernando Henrique Cardoso).
A mais nova criação de Sudbrack é o Mergulho de Brigadeiro, sobremesa que nos remete à gulodice infantil de comer o doce a colheradas. "É uma sobremesa que fiz pensando em mim, porque é a minha preferida. Vivo em busca do brigadeiro perfeito", conta a chef. A calda de chocolate, em textura mais líquida que o usual, é servida em taça de martíni, com pedacinhos de pão-de-ló embebidos em vinho e creme de leite. Para finalizar, a boca do recipiente é coberta com massa harumake (a mesma do rolinho primavera). "Eu digo que esta casquinha é uma terapia. Dependendo do estado de espírito, o cliente vai quebrando devagarinho ou afunda a colher com todo o ímpeto", brinca Sudbrack.
Para a diretora de TV Mônica de Almeida, 30, cliente do restaurante de Sudbrack, mais que relembrar a infância, os quitutes fazem parte de um processo de desmitificação dos produtos considerados requintados. Diz ela: "Hoje em dia, não dá para definir o que é mais ou menos requintado. Isso é clichê. O que eu vejo nos restaurantes é uma abertura do cardápio para ingredientes considerados menos rebuscados".

Nuvem de açúcar
Diferentemente de Mônica, a maioria dos clientes ainda se surpreende ao encontrar um elemento infantil no cardápio. No East, por exemplo, restaurante asiático de São Paulo que, ao final do jantar, serve um minialgodão-doce, é comum ver os comensais soltarem risos à chegada do doce.
Habituê do East, a administradora Adriana Silvestre, 34, curte a surpresa: "As pessoas na mesa sempre falam: "Nossa, não como isso há séculos!". E é isso mesmo. Como não dá para fazer em casa e é muito raro achar nas ruas, a gente não tem oportunidade de relembrar a infância".
A inspiração de Michael Graham, proprietário do East, veio do restaurante nova-iorquino Four Seasons, que oferece um grande algodão-doce, acompanhado de balas e sorvete, aos clientes que estejam comemorando alguma data especial -um ritual da casa que se repete desde 1959. "Temos clientes que pedem o doce justificando ser para os filhos, mas, na verdade, quase sempre são os próprios adultos que comem", conta a relações públicas do local, Regina McMenamin.

Pimenta síria
O algodão-doce também virou moda em bufês. Começou, timidamente nas festas infantis, mas logo foi ganhando fãs mais crescidinhos. Um exemplo curioso dessa tendência é uma microempresa de aluguel de máquinas de algodão-doce, que, há cerca de dois anos, criou versões de seu produto com especiarias para atender ao paladar adulto. Dirigida pelas amigas Janaína de Santana e Márcia Afonso Freitas, a Marjam prepara o doce com cardamomo, cravo com canela, chocolate com baunilha e até com pimenta síria e do reino. E o algodão-doce não fica salgado?
"Alguns deles perdem aquele gosto de açúcar forte, principalmente os que levam a pimenta", explica Santana. Os algodões-doces são feitos da maneira convencional, depois são polvilhadas as ervas -é preciso ter cuidado na hora de espalhá-las sobre o algodão, uma vez que pode ficar muito ou pouco concentrado.
As amigas também criaram algodões-doces coloridos que, em vez de usar anilina, o que deixa a cor meio borrada, usam o açúcar já colorido. "Deixa a cor muito mais uniforme, e dá para fazer de diversos tons", ensina Santana.

Doce de amendoim
Um dos primeiros chefs a trazer quitutes infantis a mesas rebuscadas em São Paulo foi Alex Atala, que, desde a abertura de seu restaurante D.O.M., serve Dadinho -doce de amendoim comercializado desde 1954 pela empresa Dizioli- na hora do café, ao lado de línguas-de-gato (chocolates).
Atala explica que, na sua cozinha, não há diferenciação entre um ingrediente mais caro ou mais barato, todos devem ser trabalhados da mesma maneira. Atala explica: "No caso do meu restaurante, a pessoa vai para uma aventura de degustação, que não precisa estar relacionada somente a um estranhamento, pode ser algo que traga uma boa lembrança, como é o caso da que o Dadinho traz".


Restaurante Roberta Sudbrack
Onde: av. Lineu de Machado, 916, Jardim Botânico, RJ, tel. 0/xx/21/3874-0139


East
Onde: al. Jaú, 1.303, Cerqueira César, SP, tel. 0/xx/11/3081-1160


Marjam
Para contratar: tel. 0/xx/11/6547-4400 ou 9574-5222; e-mail: marjan-fe@ig.com.br


D.O.M.
Onde: r. Barão de Capanema, 549, SP, Jardim Paulista, SP, tel. 0/xx/11/3088-0761



Texto Anterior: TV: Record planeja mais programas com verba pública
Próximo Texto: Delhi traz imensidão indiana
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.