|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Histórias da vida cotidiana
Paul Auster fala sobre livro que organizou com relatos verdadeiros de não-escritores dos EUA
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Paul Auster é um sujeito que cata a poesia que entornam no chão.
Seus nove romances e o outro punhado de livros que publicou
sempre nascem das histórias fortuitas que apanha nas ruas ao acaso. Não por acaso, é ele, o acaso,
um tema central em sua obra.
Em 1999, este colecionador de
imprevistos particulares resolveu
mergulhar no fortuito das vidas
alheias. Atendendo a convite da
NPR, a rádio pública norte-americana, organizou um programa
mensal no qual convocava ouvintes de todos os Estados americanos a enviarem relatos de histórias que haviam vivenciado.
O escritor norte-americano de
58 anos viu-se rapidamente às
voltas com uma avalanche (chega
de "tsunamis", por favor) de relatos de todas as espécies.
Todos os dias, por volta do
meio-dia, pegava um ramalhete
de histórias em uma caixa postal
alugada para o projeto e fazia dos
relatos seus companheiros de almoço. Almoçou durante quase
dois anos com mais de 5.000 estranhos, de todas as profissões,
Estados e idades.
No seu escritório, ele conta que
organizou três cestas, com as inscrições "definitivamente boas",
"quem sabe" e "não". "A cesta do
"não" era a que transbordava?",
questiona a Folha. "Ah sim, eu tenho de admitir que a maioria não
prestava. Mas ainda assim havia
uma quantidade de "definitivamente boas" que fazia a história
toda valer a pena", conta a voz de
crooner do escritor, por telefone,
de sua casa, no Brooklyn (NY).
Estas "definitivamente boas"
foram pelo mesmo vozeirão lidas
nas rádios americanas e depois
agrupadas em um livro. "Achei
que Meu Pai Fosse Deus", título
de uma das histórias que recebeu,
é o nome deste volume, que a
Companhia das Letras lança na
próxima semana no Brasil.
Divididos em dez compartimentos, como "animais", "objetos", "guerra" ou "sonhos", os relatos compilados por ele, quase
todos em linguagem bem pouco
literária, vão do zen ao bizarro, do
épico ao comezinho. Vê-se a mão
do escritor neles. Auster um dia,
depois outro dia, catando a poesia
que entornam no chão.
Folha - Este projeto deve ter lhe
ajudado a entender como pessoas
que não são escritoras contam uma
história. Que elementos você encontrou em comum entre esses
amadores e quais os problemas
mais freqüentes que eles demonstraram para se expressarem?
Paul Auster - É interessante que
de modo geral as pessoas reunidas no livro podem não produzir
alta literatura, mas fazem histórias muito funcionais. O que descobri com as milhares de histórias
que li é como separar as ruins das
boas. As ruins parecem ter sido
escritas por pessoas muito preocupadas consigo mesmas, pessoas que alardeavam muito coisas
como "meu avô era o melhor avô
que já existiu". É algo irritante. Já
as boas histórias eram feitas para
as outras pessoas. Partiam do
pressuposto "eu sou um ser humano, você que vai ler isso é outro
ser humano, deixe-me contar algo que aconteceu comigo e que
pode te interessar; quem sabe não
aprendemos algo sobre a vida e a
humanidade se fizermos isso".
Texto Anterior: Programação Próximo Texto: Literatura: "Todos são estranhos como eu", diz Auster Índice
|