São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 2005

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Histórias da vida cotidiana

Paul Auster fala sobre livro que organizou com relatos verdadeiros de não-escritores dos EUA

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Paul Auster é um sujeito que cata a poesia que entornam no chão. Seus nove romances e o outro punhado de livros que publicou sempre nascem das histórias fortuitas que apanha nas ruas ao acaso. Não por acaso, é ele, o acaso, um tema central em sua obra.
Em 1999, este colecionador de imprevistos particulares resolveu mergulhar no fortuito das vidas alheias. Atendendo a convite da NPR, a rádio pública norte-americana, organizou um programa mensal no qual convocava ouvintes de todos os Estados americanos a enviarem relatos de histórias que haviam vivenciado.
O escritor norte-americano de 58 anos viu-se rapidamente às voltas com uma avalanche (chega de "tsunamis", por favor) de relatos de todas as espécies.
Todos os dias, por volta do meio-dia, pegava um ramalhete de histórias em uma caixa postal alugada para o projeto e fazia dos relatos seus companheiros de almoço. Almoçou durante quase dois anos com mais de 5.000 estranhos, de todas as profissões, Estados e idades.
No seu escritório, ele conta que organizou três cestas, com as inscrições "definitivamente boas", "quem sabe" e "não". "A cesta do "não" era a que transbordava?", questiona a Folha. "Ah sim, eu tenho de admitir que a maioria não prestava. Mas ainda assim havia uma quantidade de "definitivamente boas" que fazia a história toda valer a pena", conta a voz de crooner do escritor, por telefone, de sua casa, no Brooklyn (NY).
Estas "definitivamente boas" foram pelo mesmo vozeirão lidas nas rádios americanas e depois agrupadas em um livro. "Achei que Meu Pai Fosse Deus", título de uma das histórias que recebeu, é o nome deste volume, que a Companhia das Letras lança na próxima semana no Brasil.
Divididos em dez compartimentos, como "animais", "objetos", "guerra" ou "sonhos", os relatos compilados por ele, quase todos em linguagem bem pouco literária, vão do zen ao bizarro, do épico ao comezinho. Vê-se a mão do escritor neles. Auster um dia, depois outro dia, catando a poesia que entornam no chão.
 

Folha - Este projeto deve ter lhe ajudado a entender como pessoas que não são escritoras contam uma história. Que elementos você encontrou em comum entre esses amadores e quais os problemas mais freqüentes que eles demonstraram para se expressarem?
Paul Auster -
É interessante que de modo geral as pessoas reunidas no livro podem não produzir alta literatura, mas fazem histórias muito funcionais. O que descobri com as milhares de histórias que li é como separar as ruins das boas. As ruins parecem ter sido escritas por pessoas muito preocupadas consigo mesmas, pessoas que alardeavam muito coisas como "meu avô era o melhor avô que já existiu". É algo irritante. Já as boas histórias eram feitas para as outras pessoas. Partiam do pressuposto "eu sou um ser humano, você que vai ler isso é outro ser humano, deixe-me contar algo que aconteceu comigo e que pode te interessar; quem sabe não aprendemos algo sobre a vida e a humanidade se fizermos isso".


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