São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 2005

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LITERATURA

Autor afirma que relatos mostram que não há pessoas comuns e servem de protesto contra cultura besta dos EUA

"Todos são estranhos como eu", diz Auster

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a continuação da entrevista com Paul Auster, sobre seu livro "Achei que Meu Pai Fosse Deus". (CASSIANO ELEK MACHADO)
 

Folha - Se fosse usar esta experiência como base para um curso de narrativa ou para um livro que ensinasse a escrever, quais lições seriam as mais importantes?
Paul Auster -
Seria instrutivo recomendar que o escritor abraçasse com firmeza seu assunto, sem muitas digressões. Se você tem algo para contar, é interessante que o faça da maneira mais econômica e graciosa possível. Muitas vezes, quando a pessoa vai escrever sobre ela mesma, acaba perambulando a esmo, sem saber o que dizer. O que distingue este grupo que reuni é que eles sabiam. Tinham uma história para contar e perceberam que o conteúdo era mais importante do que a forma como contavam. E isso serve para toda a boa escrita.

Folha - Alguns temas caros à sua ficção, como a força do acaso, aparecem muito nas histórias. Os leitores de Paul Auster vão achar a mão de Paul Auster no livro, não?
Auster -
Não tenho dúvidas. Se fosse qualquer outro escritor que selecionasse as histórias, faria um livro totalmente diferente.

Folha - E o que o levou a fazê-lo?
Auster -
Foi uma espécie de experimento filosófico. Queria descobrir se as outras pessoas experimentavam a vida de modo tão estranho quanto eu. Descobri que sim, que todos são estranhos como eu. Descobri ainda que as chamadas pessoas comuns não são comuns coisa nenhuma. Todos têm uma vida interior muito rica. O que sinto você sente e o outro também. Estamos todos conectados de algum modo.
Mas esta experiência confirmou também meu sentimento de instabilidade e imprevisibilidade da realidade. Foi algo um pouco assustador. Mostrou que andamos mesmo sobre um chão nada sólido, que a terra pode abrir a qualquer momento e nos engolir.

Folha - Não foi difícil para alguém que escreve centrado quase que exclusivamente nas experiências pessoais ficar submerso nas vivências de tantas pessoas?
Auster -
Não, me diverti bastante. Eu me sentia como se estivesse ouvindo milhares de conversas.

Folha - Você recolheu histórias de quase todos os lugares dos EUA e de pessoas de todas as profissões e idades. Você acha que conseguiu um retrato fiel da América?
Auster -
Acho que consegui de alguma maneira ir contra uma espécie de transe que envolve a cultura americana hoje. Atualmente tudo gira em torno de fama, celebridades, fofocas, uma cultura do lixo que temos produzido aos baldes. Achei que seria interessante ouvir as pessoas comuns, fazer um tipo de protesto singelo contra esta besta na qual se transformou a cultura americana.

Folha - Você imagina que algum desses contadores de histórias que reuniu no livro tem qualidades para se tornar um autor profissional?
Auster -
Uma parte deste grupo acho que já vinha escrevendo há anos. Não necessariamente publicando, mas escrevendo secretamente. Os melhores textos acho que vieram deles. Alguns poucos são jovens e muito inspirados. A moça que escreveu o último texto do livro, o último que li no rádio, escreve lindamente. E ela tem 24 anos. Há muito potencial aí. Outros, sobretudo os mais velhos, contaram sua única história.

Folha - Uma das suas únicas exigências para os colaboradores do projeto era que escrevessem histórias reais. Você acredita que as selecionadas eram verdadeiras?
Auster -
Tenho certeza absoluta. Estou 99% seguro disso. As boas histórias que pareciam mais forçadas passaram por uma checagem pessoal. Escrevi para os autores perguntando se tudo aquilo acontecera de verdade. Em alguns casos os autores confessaram que inventaram tudo ou alguma parte delas. Uma mulher, por exemplo, havia escrito como se fosse sua filha pequena. Quando soube, tive de descartar o texto.

Folha - Da última vez que nos falamos, em Parati, você disse que estava escrevendo uma comédia que terminava na manhã do 11 de Setembro. Como está o livro?
Auster -
Terminado. Acabei agora no outono. Vai sair aqui só no final do ano e se chamará "The Brooklyn Follies" (as asneiras de Brooklyn). Mais eu não conto.

Folha - E, depois do livro, o que você andou fazendo?
Auster -
Eu me dediquei a um roteiro de cinema, que acabei agora mesmo. Quero dirigir outro filme. Estou me ocupando do elenco. Não sei se vou conseguir filmar, mas tenho de tentar. O tema e o título são segredo. Depois eu conto também.


ACHEI QUE MEU PAI FOSSE DEUS. Organizador: Paul Auster. Tradução: Pedro Maia Soares. Editora: Companhia das Letras. Quanto: R$ 49 (400 págs.).


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