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LITERATURA
Autor afirma que relatos mostram que não há pessoas comuns e servem de protesto contra cultura besta dos EUA
"Todos são estranhos como eu", diz Auster
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia a continuação da entrevista
com Paul Auster, sobre seu livro
"Achei que Meu Pai Fosse Deus".
(CASSIANO ELEK MACHADO)
Folha - Se fosse usar esta experiência como base para um curso de
narrativa ou para um livro que ensinasse a escrever, quais lições seriam as mais importantes?
Paul Auster - Seria instrutivo recomendar que o escritor abraçasse com firmeza seu assunto, sem
muitas digressões. Se você tem algo para contar, é interessante que
o faça da maneira mais econômica e graciosa possível. Muitas vezes, quando a pessoa vai escrever
sobre ela mesma, acaba perambulando a esmo, sem saber o que dizer. O que distingue este grupo
que reuni é que eles sabiam. Tinham uma história para contar e
perceberam que o conteúdo era
mais importante do que a forma
como contavam. E isso serve para
toda a boa escrita.
Folha - Alguns temas caros à sua
ficção, como a força do acaso, aparecem muito nas histórias. Os leitores de Paul Auster vão achar a mão
de Paul Auster no livro, não?
Auster - Não tenho dúvidas. Se
fosse qualquer outro escritor que
selecionasse as histórias, faria um
livro totalmente diferente.
Folha - E o que o levou a fazê-lo?
Auster - Foi uma espécie de experimento filosófico. Queria descobrir se as outras pessoas experimentavam a vida de modo tão estranho quanto eu. Descobri que
sim, que todos são estranhos como eu. Descobri ainda que as chamadas pessoas comuns não são
comuns coisa nenhuma. Todos
têm uma vida interior muito rica.
O que sinto você sente e o outro
também. Estamos todos conectados de algum modo.
Mas esta experiência confirmou
também meu sentimento de instabilidade e imprevisibilidade da
realidade. Foi algo um pouco assustador. Mostrou que andamos
mesmo sobre um chão nada sólido, que a terra pode abrir a qualquer momento e nos engolir.
Folha - Não foi difícil para alguém
que escreve centrado quase que
exclusivamente nas experiências
pessoais ficar submerso nas vivências de tantas pessoas?
Auster - Não, me diverti bastante. Eu me sentia como se estivesse
ouvindo milhares de conversas.
Folha - Você recolheu histórias de
quase todos os lugares dos EUA e
de pessoas de todas as profissões e
idades. Você acha que conseguiu
um retrato fiel da América?
Auster - Acho que consegui de
alguma maneira ir contra uma espécie de transe que envolve a cultura americana hoje. Atualmente
tudo gira em torno de fama, celebridades, fofocas, uma cultura do
lixo que temos produzido aos baldes. Achei que seria interessante
ouvir as pessoas comuns, fazer
um tipo de protesto singelo contra esta besta na qual se transformou a cultura americana.
Folha - Você imagina que algum
desses contadores de histórias que
reuniu no livro tem qualidades para se tornar um autor profissional?
Auster - Uma parte deste grupo
acho que já vinha escrevendo há
anos. Não necessariamente publicando, mas escrevendo secretamente. Os melhores textos acho
que vieram deles. Alguns poucos
são jovens e muito inspirados. A
moça que escreveu o último texto
do livro, o último que li no rádio,
escreve lindamente. E ela tem 24
anos. Há muito potencial aí. Outros, sobretudo os mais velhos,
contaram sua única história.
Folha - Uma das suas únicas exigências para os colaboradores do
projeto era que escrevessem histórias reais. Você acredita que as selecionadas eram verdadeiras?
Auster - Tenho certeza absoluta.
Estou 99% seguro disso. As boas
histórias que pareciam mais forçadas passaram por uma checagem pessoal. Escrevi para os autores perguntando se tudo aquilo
acontecera de verdade. Em alguns
casos os autores confessaram que
inventaram tudo ou alguma parte
delas. Uma mulher, por exemplo,
havia escrito como se fosse sua filha pequena. Quando soube, tive
de descartar o texto.
Folha - Da última vez que nos falamos, em Parati, você disse que
estava escrevendo uma comédia
que terminava na manhã do 11 de
Setembro. Como está o livro?
Auster - Terminado. Acabei agora no outono. Vai sair aqui só no
final do ano e se chamará "The
Brooklyn Follies" (as asneiras de
Brooklyn). Mais eu não conto.
Folha - E, depois do livro, o que
você andou fazendo?
Auster - Eu me dediquei a um
roteiro de cinema, que acabei
agora mesmo. Quero dirigir outro
filme. Estou me ocupando do
elenco. Não sei se vou conseguir
filmar, mas tenho de tentar. O tema e o título são segredo. Depois
eu conto também.
ACHEI QUE MEU PAI FOSSE DEUS.
Organizador: Paul Auster. Tradução:
Pedro Maia Soares. Editora: Companhia
das Letras. Quanto: R$ 49 (400 págs.).
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