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LIVROS
ENSAIO
"As Obras-Primas que Poucos Leram" congrega um elenco crítico notável
Com título equivocado, seleção examina escritores clássicos
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Algumas surpresas e certas
ressalvas resultam do exame
dos dois volumes de "As Obras-Primas que Poucos Leram". A
surpresa maior está no elenco de
ensaístas: Otto Maria Carpeaux,
Paulo Mendes Campos, Josué
Castello, R. Magalhães Júnior,
Ruy Castro, entre outros.
Os autores foram convidados
pelo diretor da revista "Manchete", nos idos de 1970, para escrever artigos sobre clássicos da literatura universal supostamente
pouco compulsados pelo público.
A série durou de 72 a 77 e abrangeu mais de 200 ensaios, 70 dos
quais presentes nesta edição.
A primeira reserva relaciona-se
ao "supostamente" do parágrafo
acima. Se podemos concordar
que poucos leram "Romola", de
George Eliot, ou "Bubu de Montparnasse", de Charles-Louis Philippe, ou mesmo os complexos
"Ulisses", de James Joyce, ou "Em
Busca do Tempo Perdido", de
Proust, que dizer de "O Cortiço",
de Aluísio Azevedo, "O Apanhador no Campo de Centeio", de
J.D. Salinger, ou "O Falcão Maltês", de Dashiell Hammett?
Talvez fosse o caso de o título da
série ser: "As Obras-Primas, que
Poucos Leram". Ou seja, não estamos tratando de clássicos pouco
lidos pelo grande público (como
"Ulisses"), mas do fato de as obras
capitais da literatura serem coisas
das quais o leitor médio foge.
Mas nem isso vale para alguns
exemplos. O próprio ensaio de
Otto Maria Carpeaux sobre "Madame Bovary", de Flaubert, sublinha que o livro "saiu em mais de
trezentas edições, foi traduzido
para todas as línguas, existe em
abomináveis edições...".
O mesmo sucesso desfrutou
"Alice no País das Maravilhas",
que, segundo José Guilherme
Mendes, "é um dos livros mais difundidos e, em conseqüência, lidos em todo o mundo", com 160
edições em 42 idiomas. Considerações como esta podem ser feitas
sobre "Crime e Castigo", de Dostoiévski, "O Médico e o Monstro",
de Robert Louis Stevenson, ou "A
Peste", de Albert Camus.
Além disso, ao contrário do que
sugere a introdução de Heloisa
Seixas, pelo menos nesta seleta
não se trata de clássicos da "Antigüidade até o século 20". A imensa maioria dos livros foi escrita
entre o século 19 e 20, com algumas exceções do século 18 ("Candide, ou o Otimismo", de Voltaire) ou de época mais antiga ("Decameron", de Boccaccio).
Com exclusão dos clássicos brasileiros ("Memórias Póstumas de
Brás Cubas" e "O Tempo e o Vento" foram pouco lidos?), quase todas as demais obras referem-se à
literatura européia (francesa, inglesa e alemã, principalmente) e
americana, promovendo um recorte primeiro-mundista.
Também poderia surpreender o
fato de uma revista como a "Manchete", que gostava de destacar
concursos de miss e de fantasia,
ter concedido espaço a uma série
como essa, tão "highbrow". Mas,
em que se pesem a correção da
empreitada e o caráter deleitoso
da leitura, muitos dos textos não
ousam ir além do biografismo ou
do mero resumo de enredo.
Exceção são (quase todos) os
ensaios de Otto Maria Carpeaux,
que, com sua espantosa erudição
e fantástico "background" (ele
conta ter travado um insólito diálogo com Kafka na fervilhante
Berlim dos anos 20), consegue
transformar o texto mais ligeiro
numa aula de apreciação artística.
As Obras-Primas que Poucos
Leram (2 Vols.)
Autores: Vários
Editora: Record
Quanto: R$ 52,90 (vol.1; 476 págs.); R$
41,90 (vol.2; 364 págs.)
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