São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 2005

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LIVROS

ENSAIO


"As Obras-Primas que Poucos Leram" congrega um elenco crítico notável

Com título equivocado, seleção examina escritores clássicos

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Algumas surpresas e certas ressalvas resultam do exame dos dois volumes de "As Obras-Primas que Poucos Leram". A surpresa maior está no elenco de ensaístas: Otto Maria Carpeaux, Paulo Mendes Campos, Josué Castello, R. Magalhães Júnior, Ruy Castro, entre outros.
Os autores foram convidados pelo diretor da revista "Manchete", nos idos de 1970, para escrever artigos sobre clássicos da literatura universal supostamente pouco compulsados pelo público. A série durou de 72 a 77 e abrangeu mais de 200 ensaios, 70 dos quais presentes nesta edição.
A primeira reserva relaciona-se ao "supostamente" do parágrafo acima. Se podemos concordar que poucos leram "Romola", de George Eliot, ou "Bubu de Montparnasse", de Charles-Louis Philippe, ou mesmo os complexos "Ulisses", de James Joyce, ou "Em Busca do Tempo Perdido", de Proust, que dizer de "O Cortiço", de Aluísio Azevedo, "O Apanhador no Campo de Centeio", de J.D. Salinger, ou "O Falcão Maltês", de Dashiell Hammett?
Talvez fosse o caso de o título da série ser: "As Obras-Primas, que Poucos Leram". Ou seja, não estamos tratando de clássicos pouco lidos pelo grande público (como "Ulisses"), mas do fato de as obras capitais da literatura serem coisas das quais o leitor médio foge.
Mas nem isso vale para alguns exemplos. O próprio ensaio de Otto Maria Carpeaux sobre "Madame Bovary", de Flaubert, sublinha que o livro "saiu em mais de trezentas edições, foi traduzido para todas as línguas, existe em abomináveis edições...".
O mesmo sucesso desfrutou "Alice no País das Maravilhas", que, segundo José Guilherme Mendes, "é um dos livros mais difundidos e, em conseqüência, lidos em todo o mundo", com 160 edições em 42 idiomas. Considerações como esta podem ser feitas sobre "Crime e Castigo", de Dostoiévski, "O Médico e o Monstro", de Robert Louis Stevenson, ou "A Peste", de Albert Camus.
Além disso, ao contrário do que sugere a introdução de Heloisa Seixas, pelo menos nesta seleta não se trata de clássicos da "Antigüidade até o século 20". A imensa maioria dos livros foi escrita entre o século 19 e 20, com algumas exceções do século 18 ("Candide, ou o Otimismo", de Voltaire) ou de época mais antiga ("Decameron", de Boccaccio).
Com exclusão dos clássicos brasileiros ("Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "O Tempo e o Vento" foram pouco lidos?), quase todas as demais obras referem-se à literatura européia (francesa, inglesa e alemã, principalmente) e americana, promovendo um recorte primeiro-mundista.
Também poderia surpreender o fato de uma revista como a "Manchete", que gostava de destacar concursos de miss e de fantasia, ter concedido espaço a uma série como essa, tão "highbrow". Mas, em que se pesem a correção da empreitada e o caráter deleitoso da leitura, muitos dos textos não ousam ir além do biografismo ou do mero resumo de enredo.
Exceção são (quase todos) os ensaios de Otto Maria Carpeaux, que, com sua espantosa erudição e fantástico "background" (ele conta ter travado um insólito diálogo com Kafka na fervilhante Berlim dos anos 20), consegue transformar o texto mais ligeiro numa aula de apreciação artística.


As Obras-Primas que Poucos Leram (2 Vols.)
  
Autores: Vários
Editora: Record
Quanto: R$ 52,90 (vol.1; 476 págs.); R$ 41,90 (vol.2; 364 págs.)



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