São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 2006

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"Gosto de meu trabalho como ativista, mas o meu talento é como cantor"

DA "ROLLING STONE"

Neste trecho, o líder do U2 comenta o contato com o presidente George W. Bush e fala sobre seu engajamento no combate à Aids:

Pergunta - Quando você vai conversar com George W. Bush, como você se prepara? Não em termos políticos, mas psicologicamente?
Bono -
Não tenho medo nenhum. Não temo políticos, presidentes ou primeiros-ministros. Eles é que deviam ter medo porque serão responsabilizados pelo que acontecer durante seus governos. Eu represento as pessoas mais pobres e vulneráveis. No nível espiritual, tenho isso comigo. Estou desferindo um golpe, e o punho é das pessoas que não podem estar na sala, cuja raiva, cuja ira, cuja dor eu represento.

Pergunta - Você tenta se controlar, usar menos palavrões?
Bono -
Se eu presto atenção ao que digo? Sim, claro. Tento ser respeitoso. Lembre-se, antes de viajar para uma reunião com o presidente pela primeira vez, eu já sabia que ele pretendia duplicar a assistência à África. Assim, queria apertar sua mão. Em 2002, ele prometeu US$ 5 bilhões para o Millenium Challenge no ano fiscal de 2006. Solicitou apenas US$ 3 bilhões ao Congresso, e um comitê da Câmara dos Deputados reduziu o montante a mais ou menos a metade. Estamos decepcionados com o ritmo de transferência. Sim, nos interessa, igualmente, que esse dinheiro não seja desperdiçado, porque temos de ir ao Congresso justificá-lo. O problema não recebeu a atenção devida do governo dos EUA, e nós o criticamos por isso. Mas nosso trabalho ajudou a criar uma iniciativa histórica de combate à Aids.

Pergunta - Seu agente, Paul McGuinness, disse a você certa vez que o dever de um artista é ilustrar os problemas do mundo, exibi-los à sua audiência, mas não resolvê-los.
Bono -
Os artistas não poderão resolvê-los, mas essa geração é capaz de erradicar a pobreza extrema. Não a pobreza, mas a pobreza extrema. Chamo-a de pobreza estúpida: crianças morrendo de fome. Isso não deveria acontecer.
Estou cansado de pedir esmolas. Temos agora dois milhões de signatários na campanha One para relegar a pobreza ao passado. Em 2008, serão cinco milhões.

Pergunta - Você acredita que seu dever como artista, agora, é ajudar para que isso aconteça?
Bono -
Preferia que não, porque gosto mais de estar no estúdio, compondo. Quando uma canção se forma, isso é emocionante. Gosto de meu trabalho como ativista, mas meu talento é como cantor, compositor. Só aprendi outras capacidades para proteger esses dons, e essas capacidades servem bem a um ativista.

Pergunta - Consegue descrever o que acha ser a missão do U2, hoje?
Bono -
Não ser um lixo. Não temos de nos preocupar com a educação dos nossos filhos e o custo dos médicos, e podemos ter casas no sul da França, mas não queremos passar vergonha fazendo música de segunda. Ir a um lugar sombrio em seu próprio interior -isso é dispendioso.
O que Larry, Adam, The Edge e eu podemos fazer? Enquanto não engordarmos, acho que podemos tocar mais uns dez anos. Se a bunda ficar gorda e lançarmos um disco ruim, tô fora.

Pergunta - Como seria o U2 sem Bono?
Bono -
Creio que The Edge canta muito bem hoje em dia. Lindo falsete. Parece um grupo de belas mulheres negras. Ele poderia conduzir o grupo a lugares extraordinários. Haveria menos pressão, mais diversão. Nós rimos muito. Quero sempre diverti-los. Eles riem comigo, e também de mim.

Pergunta - Você precisa deles para seu equilíbrio e sanidade?
Bono -
A verdade é que preciso deles mais do que eles de mim.


Esta entrevista foi concedida ao publi-sher da "Rolling Stone", Jann S. Wenner, e publicada em novembro do ano passado


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