São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Yann Martel transporta leitor para inferno do Holocausto

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ao ser interrogado sobre o assunto de seu próximo romance por uma assembleia de especialistas, todos em dúvida sobre a possibilidade de sucesso nas vendas, Henry divaga, se perde e não encontra a resposta. "Mas o seu livro é sobre o quê?" O desconhecimento do assunto pelo próprio autor parece decretar o fracasso do romance.
Mais tarde, caminhando por um parque, Henry encontra a resposta: seu livro era sobre "dilacerar a própria alma e, com as tiras, amarrar a língua".
Seu livro era sobre a afasia que acomete todos aqueles que passaram pelo Holocausto. Pois "Beatriz & Virgílio", o último romance de Yann Martel, cujo protagonista é Henry, um escritor em crise, também é exatamente sobre isso.

MULA E BUGIO
São histórias dentro de outras histórias -um escritor ingênuo decide parar de escrever, muda de cidade, faz cursos de clarinete, teatro amador e acaba atendendo ao pedido de ajuda de um taxidermista que, por sua vez, está escrevendo uma peça sobre uma mula e um bugio chamados Beatriz e Virgílio.
Henry fica fascinado pelo universo de terror e mistério de seu homônimo, o taxidermista Henry.
Virgílio, o bugio, e Beatriz, a mula, conversam sobre o gosto de uma pera, o vento, as árvores, mas sobretudo procuram encontrar uma maneira de falar sobre os horrores que viveram e testemunharam.
Quem é este taxidermista? Por que ele conhece o horror tão intimamente? Como ele sabe que, no romance fracassado de Henry, havia o nome de uma rua que ele também utiliza em sua peça?

AFASIA
A confusão labiríntica das histórias, a leve ironia com que o protagonista e seus ideais são tratados, a ambiguidade do taxidermista, a mistura entre crítica ao sadismo humano contra os animais e alegoria sobre o Holocausto, tudo remete àquela afasia dilacerante.
Talvez o livro nos leve, como Virgílio a Dante, para dentro do inferno, onde não há espaço para uma mula valente como Beatriz. E esse inferno não é somente a guerra e a proximidade do mal, mas também a impossibilidade de falar sobre isso.
Daí a ausência de unidade nesse romance vertiginoso, desigual, em que a peça inacabada de um taxidermista sádico é melhor do que o próprio texto que a narra.
Para o caso da narrativa do horror, tão distante e tão próximo, a ausência de unidade não é um defeito: ela é realmente inevitável.

BEATRIZ & VIRGÍLIO
AUTOR Yann Martel
EDITORA Nova Fronteira
TRADUÇÃO Maria Helena Rouanet
QUANTO R$ 34,90 (200 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo



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