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CINEMA
Jacques Demy retoma sua lenda romântica
MARCELO REZENDE
da Reportagem Local
Aos 7 anos, o cineasta Jacques
Demy, ``uma criança sem o amor
necessário'', assistiu a ``Branca de
Neve'', de Walt Disney. Como o espectador brasileiro poderá descobrir com a reestréia no país de seu
``Guarda-Chuvas do Amor'', e no
livro ``Le Cinéma Enchanté'', recém-lançado na França, a experiência foi fatal.
A estação Demy. Após seis anos
de sua morte (vitimado pela leucemia, ou ``complicações da Aids'',
suspeita nunca comprovada, em
novembro de 1990), o cineasta das
cores violentas e esteta absoluto do
cinema de sua geração é, mais uma
vez, a atração de uma temporada.
``O Cinema Encantado de Jacques Demy'', da jornalista Camille
Taboulay, é o resultado de um
mergulho nos arquivos do diretor,
realizado com a permissão de sua
filha e de sua mulher, a diretora
Agnès Varda.
Editado pelos Cahiers du Cinéma (a revista-núcleo da nouvelle
vague, o movimento francês que
pretendia reescrever a gramática e
a cultura cinematográfica no final
dos anos 50 e início dos 60), o livro
traz, em suas 190 páginas, cartas,
fotos, documentos, canções e poemas inéditos.
Termina por oferecer ao leitor a
noção de que ele foi um cineasta
único para sua geração. Enquanto
Jean-Luc Godard ou François
Truffaut eram reverenciais à obra
literária, Demy se voltava para a
pintura e os efeitos.
Enquanto outros viam o gênero
no cinema como um objeto a ser
demolido, Demy possuía uma
adoração terna e quase infantil pela tradição, comprovando a suspeita de que todo revolucionário é
um conservador em busca da pureza dos velhos valores.
Taboulay parte do início. Conta
de que maneira Demy nunca se
acreditou amado por seus pais para procurar refúgio na criação. Aos
20 anos, realiza seu primeiro curta-metragem e, em 1963, depois de
``Lola'' (1960) e ``La Baie des Anges'' (1962), chega à perfeição cromática.
O nome de seu achado é ``Les Parapluies de Cherbourg'' (no Brasil
``Os Guarda-Chuvas do Amor'',
que a distribuidora Pandora promete relançar nos cinemas ainda
neste primeiro semestre), que ganha a Palma de Ouro no festival de
Cannes de 1964 e com o filme concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
Pós-coital
Em ``Os Guarda-Chuvas'',
Demy encontra a fama internacional, em parceria com o músico Michel Legrand. E o cinema ganha
Catherine Deneuve.
É ela a estrela de uma história de
amor inteiramente cantada, em
que as pessoas, para os mais simples dos gestos, como pedir o sal
em uma refeição, tem que executar
uma canção.
Demy faz então, em meio a uma
onda revolucionária, uma transformação que tem como princípio
apenas os mais velhos elementos: a
opereta e a pintura.
``Os filmes de Jacques Demy
mostram a rima (a harmonia) e
também constroem um mundo de
incidências contrárias. Ele era um
navegador solitário'', escreve Camille Taboulay.
Logo após a aceitação e o reconhecimento, volta à produção em
1967 para realizar um desejo adolescente: filmar com o diretor e
bailarino Gene Kelly em ``Les Demoiselles de Rochefort''.
Mais uma vez o que mais o interessa são as cores, as luzes, o musical e uma história que envolve uma
paixão. Filma com Françoise Dorléac, irmã de Deneuve, que morre
pouco depois.
O último trabalho de Demy,
``Trois Places Pour le 26'', é lançado em 1988. Mas de alguma forma
para ele seria sempre ``Os Guarda-Chuvas'', o filme que moldou
sua imagem romântica.
Assim, o trabalho de Taboulay
não é questionar quem foi Demy.
A tarefa é reafirmar sua lenda.
Mas serve para trazer a tona o
quanto havia de delírio em seu cinema, que era essencialmente
pré-coital, enquanto todos ao redor, de diferentes formas, eram
pós-coital.
Em seus filmes as pessoas estão
sempre lidando com uma felicidade anunciada e prometida, mas
nunca efetivamente realizada. O
amor, o prazer e a felicidade eram,
apenas, pura fantasia.
Livro: Le Cinéma Enchanté de Jacques
Demy
Autor: Camille Taboulay
Lançamento: Cahiers du Cinéma (190
págs.)
Quanto: 195 francos (cerca de R$ 40)
Onde encomendar: Livraria Francesa (r.
Barão de Itapetininga, 275; tel.
011/231-4555)
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