São Paulo, Sexta-feira, 19 de Fevereiro de 1999
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Cânticos de quatro aldeias estão em "Ñande Reko Arandu - Memória Viva Guarani", que é lançado de hoje a domingo no Sesc Pompéia, em SP
Memória da cultura guarani ganha registro em álbum


CARLOS BOZZO JUNIOR
especial para a Folha

"Com a música e a harmonia eu me atrevo a trazer a mim todos os indígenas da América" Padre Nóbrega, um dos primeiros padres a chegar ao Brasil no século 16

Com o intuito de preservar a cultura guarani, índios de quatro aldeias (Angra dos Reis, Rio, e São Sebastião, Parelheiros e Ubatuba, todas de São Paulo) gravaram vários cânticos tradicionais no CD "Ñande Reko Arandu - Memória Viva Guarani", que será lançado em show, de hoje a domingo, no Sesc Pompéia, em São Paulo.
O evento, que inclui números de canto e dança, conta ainda com exposições de fotos; peças de arte confeccionadas em trama de taquara, penas e madeira; 50 desenhos infantis, além de vídeos sobre o cotidiano dos índios guarani.
Cada um dos quatro grupos, formado por aproximadamente 30 crianças e jovens, deve encenar três cânticos durante o espetáculo.

História
O índio, antes da chegada dos colonizadores portugueses, já era músico, inventava e construía seus próprios instrumentos musicais. Porém a catequese quase acabou com isso ao impor a música européia, além de proibir a execução de qualquer cântico indígena.
No entanto, vários desses cânticos, preservados na memória dos índios e transmitidos oralmente, de geração a geração, encantaram viajantes europeus que aqui pisaram.
Ao ouvir um coro com mais de 600 vozes formado por "selvagens", o historiador Jean de Léry, que esteve no Brasil em 1556, com os protestantes do almirante Coligny para fundar a França Antártica, ficou impressionado. Assim como Spix e Martius, que em "Reise in Brasilien", (Munique, 1831) elogiaram o talento musical do povo indígena.

A aldeia
Mesmo longe de seu estágio de cultura pura, 529 índios guarani da aldeia Morro da Saudade ainda trazem, em sua música, elementos tradicionais que emocionam.
A aldeia, de Parelheiros, zona sul de São Paulo, está a cerca de 50 km do centro da cidade. Poucos são os índios que exibem a pele queimada pelo sol. Vestem camisetas com dizeres em inglês, ou com emblemas de clubes de futebol.
Não fazem mais "m'baraca" (violões com casca de tatu) ou "rawé" (rabecas). Usam instrumentos feitos em fábricas, como um surrado violão, além de um violino de procedência desconhecida. A única exceção é o "anguapú" tambor tradicional), feito de madeira flexível de casca de iguatambuque, com pele de couro de veado, caçado na serra do Mar. A afinação dos instrumentos é própria dos guarani.
Duzentas e cinquenta crianças, de 0 a 16 anos, que não falam português, aprendem música, participando das manifestações culturais da aldeia.
As crianças escolhidas para o CD foram as que mostraram mais interesse nos ensaios e disponibilidade para sair da aldeia, o que muitas não gostam de fazer.
Responsável pelas letras e traduções dos cânticos, o índio Timóteo da Silva-Verá Popyguá, 27, nascido na aldeia, fala português há apenas sete anos.
Leia, a seguir, trechos da entrevista que Verá Popyguá concedeu à Folha, na aldeia.

Folha - Como surgiu a idéia de gravar o CD?
Timóteo da Silva-Verá Popyguá -
Surgiu nessa aldeia. Com os índios mais velhos, resgatei alguns cânticos e gravei-os. Conversei com Osório Cordeiro Verríssimo, o Karaí, índio morador daqui, que tinha 130 anos, e ele me pediu para passar isso para as crianças. Ele morreu um ano depois. Levei dois anos para fazer esse CD, que é para mostrar que nós realmente existimos, porque quando um povo não mantém sua cultura, sua religião ou sua língua, fica completamente perdido.
Folha - Como você resgatou a dança desses cânticos?
Verá Popyguá -
Eu tive um sonho com Tupã, mostrando a dança para mim. Não fiz da minha cabeça, cada música tem uma coreografia, que eu vi em um sonho.
Folha - Os jesuítas usaram a música para catequizar e se aproximar dos índios. Qual é a função da música para o guarani?
Verá Popyguá -
É para falar da paz, da união e da harmonia com a natureza. Há dois anos que nos unimos mais, por meio da música.
Folha - Como nasce um cântico?
Verá Popyguá -
Os músicos fazem e mostram para os mais velhos, para ver se está certo. Se for aprovado, é bom. Quando tem alguma coisa que sai da linha, eles tiram e colocam outra palavra.
Folha - Que música se escuta na aldeia, além da música indígena?
Verá Popyguá -
Zezé Di Camargo e Luciano e algumas músicas da Colômbia que têm flauta.

Disco: Ñande Reko Arandu - Memória Viva Guarani
Grupo: índios guarani
Lançamento: independente
Quanto: R$ 18, em média
Evento: Ñande Reko Arandu - Memória Viva Guarani
Quando: hoje e amanhã, às 21h; dom, às 18h
Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, Lapa, tel. 011/ 3871-7777)
Quanto: R$ 10, R$ 7,50 (com carteirinha) e R$ 5 (comerciários e estudantes)
Patrocínio: Caixa Econômica Federal e Secretaria de Estado da Cultura



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