São Paulo, Sexta-feira, 19 de Fevereiro de 1999
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ARTIGO
Os índios: uma só nação

ORLANDO VILLAS BÔAS
especial para a Folha

Os índios, sejam eles de qualquer um dos quatro troncos linguísticos, quando analisados no seu comportamento e visão do mundo, podem ser considerados como uma só nação -embora se diferenciem na expressão linguística.
Seus ritos, seus cerimoniais, no fundo e na forma, mostram os mesmos valores. Há, num aspecto geral, a mesma semelhança psicológica e temperamental. Os recursos da subsistência são colhidos na mesma natureza, usando os mesmos processos.
Um dos traços mais marcantes das sociedades indígenas, em seus estágios de cultura pura, é não conhecerem nem sentirem a fome como crise. Condição essa presente e assustadora no universo civilizado.
A cultura indígena, tal como as de outras sociedades, é complexa. Porém, em alguns aspectos, foge da regra geral de outros povos quando constatamos a não-existência de desníveis econômicos que inexoravelmente criam faixas sociais diferenciadas.
Numa sociedade indígena não existem normas estabelecidas que dêem a alguém a prerrogativa de chefe ou líder do núcleo social. Aquele chamado de cacique não tem privilégios autoritários, mas tão-somente os de conselheiro.
O chefe-conselheiro da aldeia, quer seja de linhagem ou aquele que o substitua, tem normas rígidas de comportamento. São comedidos, não falam nem riem alto, não fazem gestos bruscos, não andam apressados e jamais vêm a correr.
Donos absolutos da terra que dominavam, um dia a viram invadida. De braços abertos receberam os invasores. E estes, sem saber, estavam ganhando um continente, e aqueles, os índios, dando os primeiros passos rumo a um futuro incerto, para não dizer trágico.
A convivência nascida do contato foi sendo desastrosa para o índio.
Castigo maior surgiu com o "preamento", que consistia na tentativa do trabalho escravo. A nova orientação que vinha sendo firmada pelos novos donos da terra era a de integrá-los aos padrões da nova sociedade.
Tal coisa passou a ser a viga mestra da política indigenista brasileira. E o testemunho dessa verdade está posta aos nossos olhos com os índios aculturados das áreas urbanas.
A fúria, contudo, da nova civilização, dona da terra, não precisa mais do braço escravo do índio. Não são poucos, porém, aqueles que vêem uma nova fonte de ganho vendendo a cultura do índio por meio do turismo.
Em meio a esse quadro trágico, é formidável que possamos, hoje, magnificamente assistir como uma lembrança viva do passado distante é a música hoje documentada, não pelos adultos, mas pelas crianças, num CD chamado "Ñande Reko Arandu", produzido pela Comunidade Solidária, do Projeto Memória Viva Guarani, com o patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura por meio da Caixa Econômica Federal.


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