São Paulo, quarta, 19 de março de 1997.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OSCAR
``Segredos e Mentiras'' concorre aos prêmios de melhor filme, diretor, atriz, atriz coadjuvante e roteiro original
Mike Leigh filma ``a vida como ela é''

JEANNE WOLF
especial para a Folha

O cineasta britânico Mike Leigh é conhecido por seus filmes originais e provocantes, especialmente o controvertido ``Naked'', que lhe valeu o prêmio de melhor diretor no Festival de Cinema de Cannes, além de algumas críticas por suas abundantes cenas de nudez.
Agora Leigh parece ter dado um passo em direção à aceitação mais generalizada, com ``Segredos e Mentiras'', um filme comovente, indicado a cinco Oscar, sobre uma jovem adotada em busca de sua mãe biológica.

Folha - De onde você tirou a idéia de ``Segredos e Mentiras''?
Mike Leigh -
A idéia específica de fazer um filme sobre adoção veio de algumas pessoas muito próximas a mim que viveram experiências de adoção. Mas o que você vê em ``Segredos e Mentiras'' não tem nenhuma relação com os casos específicos dos quais eu tinha conhecimento. Eu apenas os usei como ponto de partida.
- Você acha que o filme emocionou pessoas que viveram experiências semelhantes?
Leigh -
Acho que sim. Já ouvi comentários de várias pessoas adotadas que, depois de assistirem ao filme, decidiram sair em busca de suas mães naturais. Isso me comoveu muito. Espero que possa modificar a vida das pessoas de alguma maneira. Para mim, o simples fato de pessoas terem me dito ``eu ri e chorei ao mesmo tempo'' mostra que o filme mexeu com suas vidas.
Folha - Existe algo de muito universal na idéia de que todos nós escondemos coisas uns dos outros -de que nossas vidas são influenciadas, inevitavelmente, por segredos e mentiras.
Leigh -
É um filme sobre identidade, sobre a necessidade comum que temos de nos ligar aos outros e compartilhar coisas com eles. Todos nós temos segredos e mentiras em nossas vidas. Em última análise, a mensagem básica de ``Segredos e Mentiras'' é que você vive melhor quando fala a verdade.
Folha - Você já disse, em outras ocasiões, que mostra o mundo real sem maquiagem. De seu ponto de vista, isso parece incluir muita desesperança e amargura nas vidas dos personagens que você apresenta. Como seus filmes são ambientados na Inglaterra, isso quer dizer que você reflete uma condição especificamente inglesa?
Leigh -
Com todo o devido respeito, não acredito que seja uma condição exclusivamente inglesa. Acho que não teríamos que nos afastar muito desta sala para encontrar alegria, dor, sofrimento, êxtase e toda espécie de outras emoções. O mundo real é sobre isso. Acho que lido com sentimentos e emoções, problemas e vivências que fazem parte do que se pode chamar de ``a vida comum''.
Folha - Seus filmes já foram chamados de sociorrealismo. Você, acho, os chama de realismo intensificado. Em última análise, o que acontece é que eles penetram nos corações e nas almas do homem comum. Quais são as raízes disso em sua própria vida?
Leigh -
Essa pergunta é difícil. Falando nos termos mais básicos, sou alguém que se criou num lugar comum e deprimente -Manchester, Inglaterra, nos anos 40 e 50. Nessa parte do mundo, a cultura prevalecente é muito franca. Mas não posso explicar ou justificar porque minha preocupação é com a maneira como nos sentimos, como vivemos e como nos relacionamos. Eu poderia fazer uma pergunta: por que outras pessoas fazem filmes sobre coisas que não vêm de lugar nenhum? Eu apenas faço filmes sobre a vida como ela é.
Folha - Sua abordagem é deixar os atores improvisarem substancialmente durante um prazo extenso de ensaios, e desses ensaios saem os diálogos e o roteiro. Essa é uma maneira esperta de deixar que os atores façam a maior parte do trabalho em seu lugar?
Leigh -
Se fosse, acho que meus filmes seriam esculhambados, mal costurados e pouco interessantes. Você não poderia assistir a eles e dizer ``este filme tem todas as características de um filme de Mike Leigh''. É verdade que meu processo implica muito trabalho árduo para todos, especialmente para mim. Não é questão de deixar os atores fazerem o trabalho todo, mas de criar um ambiente criativo de trabalho, em que eles possam realmente explorar os personagens que representam.
Folha - A impressão que se tem é que, dentro do contexto do cinema moderno, fazer meses de ensaios para depois desenvolver um roteiro é um luxo.
Leigh -
Tudo bem. Quem sente isso não volta a trabalhar comigo. Os atores que trabalham nos meus filmes não sabem sobre o que será o filme, não sabem qual vai ser seu papel. Eles aceitam, simplesmente, com base na confiança cega. A questão é: o que é um luxo? Com o que você gasta seu dinheiro? Se você quer ter perseguições com helicópteros e carros, então tudo bem. Ou você pode ter isso, ou pode ter momentos ricos de humanidade e emoção na tela.


Tradução de Clara Allain

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright 1997 Empresa Folha da Manhã