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Diretores de publicidade preparam longas
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
Digamos que um jovem de 20
anos quisesse fazer cinema, em
1980, no Brasil da Embrafilme, pistolagem e tráfico de influências.
Quais caminhos deveriam ser percorridos para o êxito desse projeto
primo da extravagância?
Comprar uma câmera de vídeo
profissional. Então, produzir "institucionais" (vídeos para empresas), inserir quadros produzidos
com amigos em programas de TV,
fazer clipes de bandas brasileiras,
realizar o primeiro comercial, mudar o equipamento para cinema,
montar uma produtora de publicidade, faturar muitos cobres e, com
a sobra de negativos, realizar alguns curtas.
Com a grana no caixa, equipe,
equipamento, experiência, estúdios próprios e muitos contatos no
meio, o pedágio está livre para a
realização do primeiro longa-metragem. Óbvio demais? O publicitário virou cineasta ou o cineasta
se virou na publicidade?
Pois essa é a trajetória da O2 Filmes, a maior produtora de publicidade do Brasil -que produz 300
comerciais por ano (260 dias de filmagens)- e de seus fundadores,
Fernando Meirelles, 43, e Paulo
Morelli, 43, que começam a filmar,
na próxima segunda-feira, "Domésticas" e preparam as produções dos longas "Pedro Malasartes" e "Cidade de Deus". E foi uma
contravenção inocente que detonou o processo.
Tese de mestrado
Em 1979, Meirelles atravessou a
fronteira do Paraguai com duas câmeras U-Matic; na época, a última
geração em câmera portátil profissional de vídeo.
"Comprei o equipamento para
fazer minha tese de graduação.
Ninguém tinha essa câmera. Mesmo as TVs não a tinham. Fiz o contrabando pessoalmente. Fui para o
Japão e desci no Paraguai. Vendi a
metade do equipamento para o
Teatro Oficina, pagando o meu",
diz Meirelles.
Depois da contravenção, ele
montou a produtora de vídeo independente Olhar Eletrônico com
Morelli, Marcelo Machado, Dario
Vizeu e outros.
A produtora realizou programas
em horários alternativos na TV
Gazeta, Abril Vídeo e muitos "institucionais".
Depois, Meirelles dirigiu programas para a TV Cultura ("Rá-Tim-Bum") e Rede Globo ("Comédia da
Vida Privada"). O primeiro comercial da Olhar foi ainda em vídeo, para a Telesp.
Longas
A agência DPZ despejou uma lista de encomendas, e a produtora
passou a trabalhar com película.
Alguns antigos membros saíram.
Criou-se, em 1992, a O2 Filmes,
que atualmente tem dois estúdios,
12 diretores (seis deles na co-irmã
022, aberta há dois anos para criar
"jovens talentos") e venceu, 11 vezes, o prêmio "Profissionais do
Ano". Agora, os longas:
1. "Domésticas" é uma adaptação
do espetáculo teatral homônimo
de Renata Melo, que esteve em cartaz, em São Paulo, nos últimos meses de 1998.
Será dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival, 35. No elenco, atores da peça e desconhecidos
que passaram por uma maratona
de testes.
Meirelles já dirigiu, com Fabrizia
Pinto, 37, o longa "Menino Maluquinho 2 - A Aventura" (ficou em
cartaz em julho de 1998). Olival dirigiu os premiados curtas "Um Dia
Logo Depois um Outro" e "E No
Meio Passa um Trem".
2. "Pedro Malasartes" é baseado
na lenda do homem que enganou a
morte. Chamado de "road movie
caipira" pela produção, o filme será dirigido por Paulo Morelli, que
tem no currículo a direção do curta
"Lápide". No elenco, estarão Fernanda Montenegro, Osmar Prado
e Selton Mello.
3. "Cidade de Deus" é baseado no
romance sensação de 1997, de Paulo Lins, sobre as gerações do tráfico
que se sucederam na meio favela,
meio condomínio Cidade de Deus,
no Rio.
Orçado em R$ 3 milhões, as filmagens começam em agosto de
2000. O roteiro é de Bráulio Montovani e Paulo Lins. Fernando Meirelles, que falou à Folha, irá dirigi-lo também.
Folha - O cinema está definitivamente nos planos de sua produtora?
Fernando Meirelles - Nos próximos dez anos, faremos longas e
continuaremos a fazer publicidade. Somos a maior produtora de
publicidade do Brasil, quatro vezes
maior que a segunda colocada, em
faturamento. Não podemos parar
de fazer publicidade.
Folha - Como foi essa decisão?
Meirelles - Começamos com oficinas de roteiro e de pesquisa das
leis de incentivo. Existem três pessoas, numa salinha, trabalhando
integralmente em projetos. Fizemos curtas, no ano passado, que
ganharam todos os prêmios. Deu
um ânimo na gente. Caiu a ficha:
"Poxa, a gente sabe fazer essa coisa
de cinema".
Folha - O curta é uma passagem
obrigatória para quem quer fazer
um longa?
Meirelles - O curta é um jeito de
começar. Não sei se precisaria. É
uma coisa barata que pagamos
com o nosso dinheiro.
"Domésticas" foi pensado num
raciocínio óbvio. Vamos fazer um
longa em quatro noites, como se
fossem quatro curtas, e gastar R$
80 mil. Já estamos num filme de R$
680 mil, com fotografia de Lauro
Escorel e produção de Ana Soares.
Ainda é um longa barato. Inicialmente, era tudo em um local, quatro cenários em cada um dos nossos dois estúdios, para economizarmos maquiador, transporte etc.
Filmaríamos simultaneamente.
Agora, o projeto ficou grande.
Usaremos uma semana de estúdio,
e o resto é externa (locações fora de
estúdio).
Folha - "Domésticas" e "Cidade
de Deus" são histórias de excluídos, como "Central do Brasil". Isso
é uma nova tendência do cinema
brasileiro?
Meirelles - Não pensamos em
"Central". É uma coincidência. Isso é o Brasil. Os excluídos são mais
interessantes que o Brasil que vive
a reboque dos economistas que ficam pautando nossa vida. É uma
outra lógica. Ninguém explica essa
lógica da Cidade de Deus e a maneira de organizar essa sociedade.
Folha - Você continuará fazendo
filmes também fora de sua produtora?
Meirelles - No segundo semestre,
vou dirigir "Se Eu Fosse Você" para a Vídeo Filmes, a mesma produtora de "Central". É uma comédia
romântica com Alexandre Borges
e Malu Mader.
Ele é um publicitário, e ela é uma
atriz. O papel feminino e masculino entram em discussão e, de um
dia para o outro, eles acordam com
os corpos trocados.
Folha - Você vai trabalhar com
muitos atores negros. Vocês fizeram testes?
Meirelles - Não existem muitos
atores negros. Para "Cidade de
Deus" vou ter de formar. O elenco
será enorme. Já estamos em contato com grupos de teatro dos morros cariocas. Em junho e julho, vou
para lá selecionar o elenco. Vou
passar um ano preparando aulas e
ensaios.
Folha - Vai ser filmado na própria
Cidade de Deus?
Meirelles - La é um pouco barra-pesada, apesar de Paulo Lins (autor da história que morou no condomínio) dizer que ele garante.
Encurtei a história. Pegamos apenas dois personagens que irão conduzi-la, num formato meio documentário.
Acho que vou filmar em 16 mm
ou em vídeo; algum formato leve.
Folha - Paulo Lins vai participar
do roteiro?
Meirelles - Ele vai entrar quando
o roteiro estiver acabado. O que
vale é a experiência dele. Ele morou lá, conhece aquilo como poucos, as falas, as expressões.
Ele tem mais de 30 fitas cassetes
com entrevistas. O grande barato é
o dialetozinho deles.
Folha - Foi difícil a transição entre vídeo e cinema?
Meirelles - No vídeo, improvisa-se mais. O cinema tem fotógrafo,
assistente, segundo assistente...
Tudo é pesado. Parece uma tecnologia do século 19, lentes em baús
de ferro, como uma ferrovia a vapor. Mas não tem jeito, a imagem é
boa. A câmera de vídeo dá uma
maior mobilidade.
O que se faz instantâneo, no vídeo, demora duas horas no cinema. Vídeo é um sonho. A atuação
melhora muito. A resposta é quente.
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