São Paulo, Sexta-feira, 19 de Março de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FESTIVAL DE CURITIBA
Diretora alemã que mora em Salvador está na mostra com peça do francês Bernard-Marie Koltès
Franke volta com biografia de suicida

ERIKA SALLUM
enviada especial a Curitiba

Uma alemã de 27 anos está agitando a cena teatral brasileira.
Em 98, Nehle Franke foi destaque do Festival de Curitiba com sua montagem de "Divinas Palavras", de Valle-Inclán. Agora, promete movimentar a mostra com "Roberto Zucco", do francês Bernard-Marie Koltès.
A peça, que tem apresentações hoje e amanhã no festival, é uma das obras-primas de Koltès, escrita pouco antes de sua morte, em 89, em decorrência da Aids.
Considerado um dos mais importantes dramaturgos contemporâneos da França, ele é autor de "Na Solidão dos Campos de Algodão". Muitas de suas peças foram produzidas pelo diretor Patrice Chéreau nos anos 80.
"Roberto Zucco" se baseia em fatos reais e conta a história de um jovem que, aos 15 anos, sem explicação aparente, mata seus pais.
Vai para um manicômio, foge e acaba sendo perseguido por policiais. Em maio de 88, Zucco se suicidou, morrendo por asfixia com um saco plástico na cabeça.
A montagem de Nehle, que chegou ao Brasil em 94 e vive atualmente em Salvador, estreou em outubro no teatro Castro Alves. Fazia parte de um projeto cultural do governo do Estado, no qual são convidados diretores para trabalharem com um elenco baiano.
Koltès, segundo Nehle, é um autor muito discutido na Alemanha. "Nunca havia pensado em trabalhar com uma obra dele, mas quando fui chamada para esse projeto me pediram um texto contemporâneo. Logo pensei em Koltès", conta ela, em um português perfeito, com sotaque nordestino.
Para Nehle, a temática de "Roberto Zucco" -a violência- é extremamente atual, e a obra de Koltès, universal, perfeita para tocar no assunto.
De acordo com ela, a violência, apesar de muito presente no cotidiano do ser humano, é pouco explicada e discutida. "O teatro, com espetáculos como esse, pode estimular uma discussão mais ampla sobre a violência e seus efeitos."
Ela ressalta que não quis reduzir a peça apenas à saga de Roberto Zucco. "O protagonista mostra somente uma maneira de violência, que é a do assassino, do cara que mata. Mas Koltès apresenta outras formas com seus personagens paralelos, que ofendem, machucam, oprimem, cerceiam a liberdade."
Em seu novo espetáculo, a diretora afirma que não houve nenhuma tentativa de trazer a trama para uma realidade brasileira, diferentemente de "Divinas Palavras".
Ao montar a peça do espanhol Ramón del Valle-Inclán, Nehle transpôs a ação para o sertão, com um cenário árido em que a platéia girava acompanhando os atores.
""Roberto Zucco" tem uma temática tão universal, tão próxima de qualquer sociedade moderna que não precisa ser adaptada. O espetáculo não é reconhecivelmente passado no Brasil", diz.
O palco, dessa vez, será italiano e a encenação, tradicional.
Por determinação do projeto cultural, o elenco foi escolhido por meio de uma audição pública, em que a diretora selecionou dez atores entre cerca de 300 pessoas.
A tradução do texto foi feita por Nehle, em parceria com seu marido, a partir do original, em francês, e de versões em espanhol e alemão.
"Quando traduzi, mantive as características da obra de Koltès, mas, obviamente, fiz adaptações durante os ensaios."
"Roberto Zucco" deve estrear em São Paulo em abril, mas ainda não estão definidos local nem datas.

Quando: hoje, às 21h30; amanhã, às 20h, no teatro da Reitoria (r. Quinze de Novembro, 1.299, centro, tel. 041/360-5000)


A jornalista Erika Sallum viaja a convite do 8º Festival de Teatro de Curitiba


Texto Anterior: Brasil tem doutores no teatro
Próximo Texto: Linhas Aéreas une circo, música, dança e teatro
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.