São Paulo, sábado, 19 de abril de 1997.

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`A Madona do Futuro' é ficção chata

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

Não é novidade alguma que existem dois tipos de escritores no mundo. Mas Henry James é tanto o ``outro'' tipo que o paralelo é inevitável. O primeiro é o escritor intuitivo -ou criativo, como dizia Freud-, que fabrica seu próprio material a partir de intensa atividade imaginativa.
O ``outro'' é o escritor intelectual, mais racional, que utiliza temas predeterminados e cuja ficção tem um pé no ensaio. Esse é o caso de Henry James (1843-1916), americano que se naturalizou inglês. Além de romances e contos, James escreveu ensaios importantes e costumava prefaciar seus próprios livros, definindo seu estilo.
``A Madona do Futuro'', novela de 1873, apresenta temas centrais de toda a sua obra -especialmente de seu romance mais respeitado, ``O Retrato de uma Dama'' (1881)-, a idealização da arte matando a criatividade, a prática da arte pela arte, o embate entre americanos e europeus.
É a história de um encontro, em Florença, Itália, entre um pintor excêntrico e um diletante apreciador das artes, o narrador-personagem H. -sugestão de que seja o próprio Henry, ele que passou algum tempo viajando pela Europa.
Teobaldo é um homem pobre e solitário, que tem dedicado toda a sua vida a pintar uma madona que ninguém jamais viu. Ele representa o americano idealista e inocente, dedicado ao culto da beleza ideal, e que será desiludido ou corrompido pelo sofisticado H., que representa o europeu explorador, como sempre nos livros de James.
Em caminhadas pelas galerias de arte de Florença, embevecido pela perfeição das madonas de Rafael, e ao lado de seu amigo H., Teobaldo vai aos poucos se convencendo de que é um pintor fracassado. Sua própria madona (a do futuro) nunca tinha saído do esboço e era inspirada num modelo velho.
Teobaldo vivia de uma ilusão artística que H. faz cair por terra: ``Tinham se passado anos silenciosos, enquanto ele apenas meditava, numa paralisia encantada, eternamente se preparando para um trabalho eternamente adiado''.
Apesar de todo o talento de James como narrador estimulante e criador de relações psicológicas complexas entre seus personagens, é preciso apreciar as trivialidades da arte, os vôos do diletantismo e o discurso intelectual ``sobre'' arte para gostar dessa novela.
Do contrário, pode ser uma chatice completa. Às vezes é melhor, aliás, ler o texto como um ensaio, mais do que como obra de ficção.

Livro: A Madona do Futuro Autor: Henry James Tradução: Arthur Nestrovski Editora: Imago Quanto: R$ 12 (74 págs.)
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