São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 2000


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DOCUMENTÁRIO
Canal por assinatura GNT exibe sexta o primeiro episódio de "Casa Grande & Senzala"
Nelson Pereira leva Gilberto Freyre à TV

Divulgação
O cineasta Nelson Pereira do Santos (em pé) e o escritor e pesquisador Edson Nery da Fonseca


JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Vai ao ar sexta-feira, às 21h, no canal por assinatura GNT, o primeiro dos quatro episódios do documentário "Casa Grande & Senzala", dirigido por Nelson Pereira dos Santos.
Nesse primeiro segmento é traçada a trajetória do autor da obra, o antropólogo, escritor e sociólogo Gilberto Freyre.
Os outros três segmentos deverão ser realizados no segundo semestre e exibidos até o final do ano, se o diretor conseguir completar os recursos necessários.
A dificuldade de conseguir dinheiro para a série levou Nelson Pereira a duas decisões drásticas: reduzir de 13 para quatro o número de episódios, baixando assim o orçamento de R$ 7 milhões para R$ 2,5 milhões, e canalizar para "Casa Grande & Senzala" os recursos que havia obtido, via Lei do Audiovisual, para a realização do longa-metragem "Guerra e Liberdade: Castro Alves em São Paulo".
"Ninguém quis investir na série. Só o GNT", disse à Folha o cineasta, ressalvando entretanto o apoio do governo de Pernambuco à realização do documentário e o da produtora Videofilmes à sua finalização.
Nessa entrevista, o mais importante cineasta brasileiro fala sobre Freyre e a série.

Folha - Como é que você e o pessoal do cinema novo viam Gilberto Freyre nos anos 60?
Nelson Pereira dos Santos - 0
Naquela época, a idéia que predominava no meio da esquerda era a de que ele era um reacionário. Qualquer livro que não tivesse cenas de luta de classe explícita não valia. Quem teve um grande mérito na mudança dessa visão foi Darcy Ribeiro, que batalhou no meio acadêmico e fora dele para que Gilberto Freyre fosse lido.
Hoje é evidente para todos que sua obra é necessária à compreensão do país. "Casa Grande & Senzala" está para o Brasil como o Velho Testamento está para a humanidade.

Folha - Na primeira parte do documentário, que biografa Freyre, você deixou de lado o aspecto político da trajetória dele, como sua adesão ao regime militar. Por quê?
Santos -
Primeiro, porque meu intuito era preparar o terreno para os outros episódios, mostrando a gênese do livro: com quem ele aprendeu, as escolas onde estudou, seu contato com a cultura pernambucana etc.
A atuação política dele é algo mais circunstancial que a obra. Alguém lembra hoje a que partido Machado de Assis pertenceu?

Folha - Uma das boas surpresas do documentário é o escritor e pesquisador Edson Nery da Fonseca, que serve como guia e narrador da trajetória de Freyre? Como chegou a ele?
Santos -
Minha idéia inicial, veja só, era usar o José Wilker como narrador. Mas, durante a pesquisa, fiquei muito próximo do professor Nery, que era o conselheiro da Fundação Gilberto Freyre responsável pelo acompanhamento do projeto, e percebi que ele deveria ser o narrador.
Aos 78 anos, ele tem uma memória extraordinária, além de ser muito expressivo. Não fizemos testes, nem ensaios. Suas intervenções eram sempre de improviso. Ele é praticamente meu co-roteirista. Eu propunha os temas e ele improvisava, lembrando histórias, citando textos, falando poemas. Tudo isso vem impregnado de afetividade, pois ele era amigo do Gilberto Freyre.

Folha - Como serão os próximos episódios?
Santos -
Estou trabalhando nisso. Cada episódio vai falar de um dos povos que formaram a população brasileira: o português, o índio e o negro.
O processo vai ser semelhante ao desse primeiro episódio. O professor Nery vai contar o livro nos próprios lugares a que ele se refere. Por exemplo, no sul de Portugal, onde são fortes os traços da presença moura em castelos, fortes etc.
Em relação aos índios, pretendo trabalhar muito com os índios de hoje e com alguma iconografia. Não existem tantas ilustrações de época, e agora, com esse negócio dos 500 anos, são usadas sempre as mesmas.
Prefiro mostrar o índio de hoje,a partir da idéia de Gilberto Freyre de que o tempo é uno: passado, presente e futuro não existem como coisas separadas. Quero mostrar como persiste no Brasil a família aristocrática, patriarcal e autoritária. O que progrediu no país, aliás, foi a senzala.


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