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Cinema digital faz ofensiva em Cannes
MARIA ERCILIA
COLUNISTA DA FOLHA
O Festival de Cannes das
estrelas, do tapete vermelho
e das limusines continua onde
sempre esteve, mas este ano, na
surdina, surgiram novos personagens, longe dos flashes e da badalação. Em eventos paralelos, estão
sendo exibidos filmes e animações em vídeo digital (ou DV).
Entre eles, "The New Arrival",
um simpático curta-metragem,
será exibido esta semana no festival, mas pode ser visto também
no conforto da sua casa, no site
AtomFilms (www.atomfilms.com).
Ele chama a atenção mais pela
tecnologia que usa, IVideo, que
permite que o espectador mude a
perspectiva da câmera a qualquer
momento durante os quatro minutos que dura o filme.
Essa tecnologia acaba introduzindo no filme um ritmo muito
diferente do habitual. Parando
para "rodar" pela cena a cada momento, nos sentimos mais exploradores que espectadores.
A suspensão da descrença que
ajuda a entrar numa obra de ficção está quase ausente aqui, já que
podemos pesquisar cada cantinho da história. O filme se torna
um objeto a ser analisado e decomposto, e não apenas fruído.
Para a filmagem, foi usada uma
câmera especial de 360 graus, da
empresa Be Here. "The New Arrival", da diretora independente
Amy Talkington, dá início ao 360
Degrees Forward, um concurso
que premiará o primeiro lugar
com equipamento para filmar
dessa forma.
A Ipix, empresa que produz
uma tecnologia semelhante à Be
Here, tem, entre seus novos clientes, Steven Spielberg, que deve fazer experiências com os filmes em
que o espectador escolhe que canto da tela quer explorar.
Com tecnologia mais simples, o
diretor Mike Figgis também buscou uma multiplicidade de pontos de vista em seu mais novo filme, que não vai ser mostrado em
Cannes, mas também foi todo rodado em DV. Estreou no Yahoo
Film Festival, algumas semanas
atrás. Figgis usou quatro câmeras
simultaneamente e dividiu a tela
em quatro, acompanhando a vida
de um personagem de quatro
pontos de vista diferentes. Segundo ele, a câmera digital acabou
por aproximá-lo dos atores, por
ser mais simples e "íntima".
"The Quantum Project", um filme de meia hora, já aposta numa
narrativa totalmente tradicional,
mas com uma temática para combinar com sua estratégia de lançamento. Ao mesmo tempo em que
estreou em Cannes, também foi
colocado na Internet.
Pagando US$ 3, como o de fita
de vídeo, é possível fazer o download do filme e vê-lo no computador. A diferença de um aluguel
de fita de vídeo é que você não
precisa devolver e pode ver o filme quantas vezes quiser.
Só que a transferência pode levar mais de seis horas, ao fim das
quais é preciso fazer o pagamento
do filme e só depois assistir. "The
Quantum Project" conta com
dois atores conhecidos: John
Cleese e Stephen Dorff.
Mas não foi muito bem recebido pela crítica. Nele, Stephen
Dorff é um físico (difícil acreditar)
que acaba por adquirir "poderes".
Provavelmente esse filme só vai
passar à história como o primeiro
filme inédito a ser alugado via Internet. Outro azarão que acabou
por conseguir uma exibição em
Cannes é o canal de animação
Spike & Mike's Sick and Twisted
Festival of Animation (Festival de
Animação Doentia e Pervertida
de Spike & Mike). Esquisito e
grosseiro demais para ser mostrado na TV, o trabalho da dupla é
um sucesso na Internet, onde pode ser encontrado no site Ifilm.
Fãs da dupla Spike & Mike, que
produz animações desde 77, reuniram-se numa sala num hotel de
Cannes para ver sua seleção e, todos os dias, milhares de pessoas
acessam as animações, bem mais
fáceis de assistir na Internet que
longas-metragens de cinema.
Enquanto não houver regulamentação na Internet para conteúdo que, por exemplo, foi censurado na TV, a rede continuará
servindo como canal de expressão para filmes que dificilmente
passariam pela censura norte-americana, apesar de geniais.
Interessante também é o trabalho independente "Letters from
Homeroom" (www.lettersfromhomeroom.com), sobre duas meninas, colegas de escola, que não
foi exibido em nenhum festival,
por não ser propriamente um filme, mas vem obtendo destaque.
O leitor também pode começar
em qualquer momento da narrativa, mas não há sensação de quebra alguma, pois é como se ele espiasse a cada vez um dia diferente
da rotina das moças.
E-mail - ercilia@bol.com.br
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