São Paulo, sábado, 19 de maio de 2007

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Crítica/"Maysa - Só Numa Multidão De Amores"

Biografia conta a vida de Maysa em detalhes e sem censura

DA SUCURSAL DO RIO

Se Paulo Cesar Araújo fez uma biografia não-autorizada de Roberto Carlos com estilo de fã -e ainda assim foi censurado-, Lira Neto teve acesso aos diários de Maysa e fez uma biografia que não se acanha em detalhar os podres e porres da cantora -e ainda assim não sofreu nenhuma restrição.
Amigos dela e pessoas mais sensíveis podem até ficar incomodados com os relatos do livro, mas o trabalho de Neto, amparado em cerca de 200 entrevistas e inúmeras fontes de pesquisa, não só é brilhante do ponto de vista jornalístico, como é fiel à personagem.
Maysa se expunha completamente em canções e entrevistas, botava o coração e a cama na rua. Como fazer uma biografia recatada de alguém assim, que viveu apenas 40 anos, entre 1936 e 1977, mas que fez tudo intensa e exageradamente? Roberto Carlos quer o recato porque não se orgulha de quando andava a 300 km/h.
Aliás, sobre a possível noite de amor entre Maysa e Roberto, que ele não teria gostado de ver no livro de Araújo, Neto escreve apenas um parágrafo e sem cravar, pois a cantora nunca a confirmou.

Sucesso e alcoolismo
Como não se ouve mais a voz grave de Maysa, o leitor de hoje deve se surpreender com a reconstituição do enorme sucesso que ela fazia nos anos 50 e 60. Era uma grande intérprete e ainda compunha sambas-canções dilacerantes, como "Ouça" e "Meu Mundo Caiu".
E havia sua história pessoal, tentadora para a imprensa: casou-se com um Matarazzo 18 anos mais velho, driblou a resistência do marido para poder cantar, separou-se e passou a emendar um homem no outro, tudo banhado em muito álcool e cenas de agressividade -como a da garrafa de uísque arremessada contra Elis Regina e que só não atingiu o alvo graças ao salto de um "goleiro".
Maysa tinha consciência de seu alcoolismo ("É ela [a bebida] que me faz maltratar as pessoas a quem mais amo e a mim mesma"), mas, nas vezes em que tentou, não conseguiu vencê-lo. Herdou o ímpeto boêmio do pai, Alcebíades Guaraná Monjardim ("Guaraná, só no sobrenome", dizia ele), mas o misturou com autodestruição, chegando a tentar o suicídio várias vezes.

Oscilações
Como é natural em pessoas dependentes, Maysa alternava mitomania com auto-estima rasteira; euforia e depressão; excesso de peso e cuidados com a saúde; recolhimento e exibição pública; fantasias -como a de se sentir grávida quando já não podia mais- e visões agudas da realidade.
Neto descreve com minúcias essas oscilações e, como ótimo repórter, não faz qualquer juízo de valor. Mas constata, é claro, o quanto esse quadro afetou a carreira de Maysa e abreviou sua vida, encerrada num acidente de carro.
Se há ressalvas a fazer, é quanto a alguns clichês ("um terremoto em forma de mulher", por exemplo) e a um erro de informação ("As Praias Desertas" não tem letra de Vinicius de Moraes). Por outro lado, Neto faz muito bem em ressaltar o humor cruel de Maysa, usado contra todos, inclusive ela mesma.
Apenas dois de muitos exemplos: "Eu não perdi quilos, eu perdi litros"; "Quem nasceu para Moacyr Franco jamais chega a Rogério Duprat". (LUIZ FERNANDO VIANNA)

MAYSA - SÓ NUMA MULTIDÃO DE AMORES
Autor:
Lira Neto
Editora: Globo
Quanto: R$ 32 (400 págs.)
Avaliação: ótimo


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