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Crítica/"Maysa - Só Numa Multidão De Amores"
Biografia conta a vida de Maysa em detalhes e sem censura
DA SUCURSAL DO RIO
Se Paulo Cesar Araújo fez
uma biografia não-autorizada
de Roberto Carlos com estilo de
fã -e ainda assim foi censurado-, Lira Neto teve acesso aos
diários de Maysa e fez uma biografia que não se acanha em detalhar os podres e porres da
cantora -e ainda assim não sofreu nenhuma restrição.
Amigos dela e pessoas mais
sensíveis podem até ficar incomodados com os relatos do livro, mas o trabalho de Neto,
amparado em cerca de 200 entrevistas e inúmeras fontes de
pesquisa, não só é brilhante do
ponto de vista jornalístico, como é fiel à personagem.
Maysa se expunha completamente em canções e entrevistas, botava o coração e a cama
na rua. Como fazer uma biografia recatada de alguém assim,
que viveu apenas 40 anos, entre
1936 e 1977, mas que fez tudo
intensa e exageradamente? Roberto Carlos quer o recato porque não se orgulha de quando
andava a 300 km/h.
Aliás, sobre a possível noite
de amor entre Maysa e Roberto, que ele não teria gostado de
ver no livro de Araújo, Neto escreve apenas um parágrafo e
sem cravar, pois a cantora nunca a confirmou.
Sucesso e alcoolismo
Como não se ouve mais a voz
grave de Maysa, o leitor de hoje
deve se surpreender com a reconstituição do enorme sucesso que ela fazia nos anos 50 e
60. Era uma grande intérprete
e ainda compunha sambas-canções dilacerantes, como
"Ouça" e "Meu Mundo Caiu".
E havia sua história pessoal,
tentadora para a imprensa: casou-se com um Matarazzo 18
anos mais velho, driblou a resistência do marido para poder
cantar, separou-se e passou a
emendar um homem no outro,
tudo banhado em muito álcool
e cenas de agressividade -como a da garrafa de uísque arremessada contra Elis Regina e
que só não atingiu o alvo graças
ao salto de um "goleiro".
Maysa tinha consciência de
seu alcoolismo ("É ela [a bebida] que me faz maltratar as pessoas a quem mais amo e a mim
mesma"), mas, nas vezes em
que tentou, não conseguiu vencê-lo. Herdou o ímpeto boêmio
do pai, Alcebíades Guaraná
Monjardim ("Guaraná, só no
sobrenome", dizia ele), mas o
misturou com autodestruição,
chegando a tentar o suicídio várias vezes.
Oscilações
Como é natural em pessoas
dependentes, Maysa alternava
mitomania com auto-estima
rasteira; euforia e depressão;
excesso de peso e cuidados com
a saúde; recolhimento e exibição pública; fantasias -como a
de se sentir grávida quando já
não podia mais- e visões agudas da realidade.
Neto descreve com minúcias
essas oscilações e, como ótimo
repórter, não faz qualquer juízo
de valor. Mas constata, é claro,
o quanto esse quadro afetou a
carreira de Maysa e abreviou
sua vida, encerrada num acidente de carro.
Se há ressalvas a fazer, é
quanto a alguns clichês ("um
terremoto em forma de mulher", por exemplo) e a um erro
de informação ("As Praias Desertas" não tem letra de Vinicius de Moraes).
Por outro lado, Neto faz muito bem em ressaltar o humor
cruel de Maysa, usado contra
todos, inclusive ela mesma.
Apenas dois de muitos exemplos: "Eu não perdi quilos, eu
perdi litros"; "Quem nasceu para Moacyr Franco jamais chega
a Rogério Duprat".
(LUIZ FERNANDO VIANNA)
MAYSA - SÓ NUMA MULTIDÃO DE AMORES
Autor: Lira Neto
Editora: Globo
Quanto: R$ 32 (400 págs.)
Avaliação: ótimo
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