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Crítica
Ensaio faz crítica à tradição do "autêntico"
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Para explicar a passagem
"da música folclórica
para a canção formatada do disco e do rádio" entre as
décadas de 10 e 30, tema central de "A Construção do Samba", Jorge Caldeira faz uma crítica fundamental à idéia de autenticidade.
Até hoje, 90 anos depois do
sucesso de "Pelo Telefone",
ainda se ouve que o samba é
uma resistência da "cultura negra" e das "camadas populares"
àqueles que as oprimem; que é
preciso "resgatar" as "raízes"
do gênero; que existe, enfim,
um samba autêntico e um samba comercial, adulterado, "profano" -para usar uma palavra
do cronista Francisco Guimarães, o Vagalume, muito citado
por Caldeira.
Vagalume fazia suas críticas
nos anos 30, no calor das transformações, e tinha a companhia de um pensador como Mário de Andrade, que entendia o
"verdadeiro samba" como sendo o produzido nos morros cariocas, e não "uma submúsica,
carne para alimento de rádios e
discos, elemento de namoro e
interesse comercial (...)". Que
jovens de hoje ainda digam isso
é uma pena.
Com bons argumentos e fontes, Caldeira mostra que a
adaptação dos sons e versos das
rodas de samba para músicas
comercializáveis não foi um ato
de violência contra os autores,
mas uma conquista deles.
É verdade que uma conquista
acidentada, pois o conceito de
autoria ainda não estava consolidado. Em função disso, músicas eram compradas, Sinhô dizia que "samba é que nem passarinho: é de quem pegar", e
Donga registrou "Pelo Telefone" como seu, embora haja relatos de que tenha sido uma
criação coletiva.
Donga e Sinhô, no entanto,
deram passos bastante significativos para que, nos anos 30, o
samba ganhasse sua forma-síntese, unindo os elementos básicos de origem africana a referências européias repassadas pelo maxixe.
E é Noel Rosa, sem dúvida,
quem leva essa síntese ao ápice,
abrindo o leque de temas e variáveis melódicas do gênero,
buscando explicitamente a audiência de massas (não mais a
das rodas), procurando aproximar mais os pólos "morro"
e"asfalto" e investindo contra o
estereótipo do malandro,
protagonista das criações de
muitos autores.
(A hipótese de Caldeira de
que o malandro seria uma figura de trânsito entre classes,
pois representaria os dominantes para os dominados e vice-versa, é um tanto esquemática
em seu fundo marxista, mas interessante.)
Caldeira ressalta muito bem
o papel de Noel no ensaio "A
Construção do Samba" e no
perfil do compositor que complementa o livro.
"Nascia [com Noel] o artista moderno na música popular", afirma ele na segunda parte. Escrita em 1982, ela enfraqueceu com o tempo, diante da
completa biografia publicada
em 1990 por João Máximo e
Carlos Didier
A CONSTRUÇÃO DO SAMBA
Autor: Jorge Caldeira
Editora: Mameluco
Quanto: R$ 27 (222 págs.)
Avaliação: bom
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