São Paulo, sábado, 19 de maio de 2007

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Crítica

Ensaio faz crítica à tradição do "autêntico"

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Para explicar a passagem "da música folclórica para a canção formatada do disco e do rádio" entre as décadas de 10 e 30, tema central de "A Construção do Samba", Jorge Caldeira faz uma crítica fundamental à idéia de autenticidade. Até hoje, 90 anos depois do sucesso de "Pelo Telefone", ainda se ouve que o samba é uma resistência da "cultura negra" e das "camadas populares" àqueles que as oprimem; que é preciso "resgatar" as "raízes" do gênero; que existe, enfim, um samba autêntico e um samba comercial, adulterado, "profano" -para usar uma palavra do cronista Francisco Guimarães, o Vagalume, muito citado por Caldeira.
Vagalume fazia suas críticas nos anos 30, no calor das transformações, e tinha a companhia de um pensador como Mário de Andrade, que entendia o "verdadeiro samba" como sendo o produzido nos morros cariocas, e não "uma submúsica, carne para alimento de rádios e discos, elemento de namoro e interesse comercial (...)". Que jovens de hoje ainda digam isso é uma pena.
Com bons argumentos e fontes, Caldeira mostra que a adaptação dos sons e versos das rodas de samba para músicas comercializáveis não foi um ato de violência contra os autores, mas uma conquista deles.
É verdade que uma conquista acidentada, pois o conceito de autoria ainda não estava consolidado. Em função disso, músicas eram compradas, Sinhô dizia que "samba é que nem passarinho: é de quem pegar", e Donga registrou "Pelo Telefone" como seu, embora haja relatos de que tenha sido uma criação coletiva.
Donga e Sinhô, no entanto, deram passos bastante significativos para que, nos anos 30, o samba ganhasse sua forma-síntese, unindo os elementos básicos de origem africana a referências européias repassadas pelo maxixe.
E é Noel Rosa, sem dúvida, quem leva essa síntese ao ápice, abrindo o leque de temas e variáveis melódicas do gênero, buscando explicitamente a audiência de massas (não mais a das rodas), procurando aproximar mais os pólos "morro" e"asfalto" e investindo contra o estereótipo do malandro, protagonista das criações de muitos autores.
(A hipótese de Caldeira de que o malandro seria uma figura de trânsito entre classes, pois representaria os dominantes para os dominados e vice-versa, é um tanto esquemática em seu fundo marxista, mas interessante.) Caldeira ressalta muito bem o papel de Noel no ensaio "A Construção do Samba" e no perfil do compositor que complementa o livro.
"Nascia [com Noel] o artista moderno na música popular", afirma ele na segunda parte. Escrita em 1982, ela enfraqueceu com o tempo, diante da completa biografia publicada em 1990 por João Máximo e Carlos Didier


A CONSTRUÇÃO DO SAMBA
Autor:
Jorge Caldeira
Editora: Mameluco
Quanto: R$ 27 (222 págs.)
Avaliação: bom


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