São Paulo, terça, 19 de maio de 1998

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"Combate' recebe acréscimo

PLÍNIO FRAGA
Editor-adjunto de Brasil

O poeta maranhense Ferreira Gullar, antigo militante comunista, disse em um recente programa em um canal de TV paga: "A luta armada foi a maior cagada de parte da esquerda brasileira".
A argumentação dele era que a tentativa de enfrentamento do regime militar (1964-1985) por grupos guerrilheiros levou a um embrutecimento da repressão e à radicalização da linha dura, a partir de 1968.
O personagem, o tema e o raciocínio podem parecer sem sentido para uma geração que se limita a conceituar um período de tempo com a definição publicitária de "um ano que não terminou".
Por isso, como peça de resistência de uma historiografia restrita, é preciso ressaltar a importância do lançamento, dez anos depois da primeira impressão, de uma edição ampliada de "Combate nas Trevas", de Jacob Gorender.
O livro narra como e por que parte significativa da esquerda brasileira optou pela luta armada.
O PCB, no qual Ferreira Gullar militava, era, até a derrubada do presidente João Goulart, o maior agente catalisador da esquerda brasileira e pregava caminhos pacíficos para a "revolução do proletariado".
A escatológica definição do poeta (obviamente ausente do livro) reflete a divisão da esquerda, tão bem retratada por Gorender, a partir do momento da opção pela luta armada por vários grupos.
Nova revelação
O acréscimo mais importante da edição é a revelação de um possível encontro entre o guerrilheiro Carlos Marighella, um dos mais procurados pelo regime, e o general Affonso Albuquerque Lima, homem da chamada linha dura, preterido pelos militares para ocupar a vaga surgida com o afastamento, por sua saúde debilitada, do presidente Costa e Silva.
O encontro, só agora relatado por um companheiro de Marighella, é tratado pelo historiador como uma hipótese de "razoável grau de veracidade".
Albuquerque Lima teria proposto auxílio na realização de ações desestabilizadoras do regime, momentos antes da posse de Emílio Médici, o escolhido dos militares para suceder Costa e Silva.
Carlos Marighella, por não acreditar na eficácia dessas ações, teria recusado. Em entrevista ao jornalista Elio Gaspari, colunista da Folha, o filho do general nega o encontro.
Gorender reconhece no trabalho um "certo coeficiente memorialístico" de militante comunista que foi. Mas diz que o principal da narrativa é a pesquisa histórica.
O livro se permite, apesar do tema árido, certas ironias. Seja ao contestar a possibilidade de a revolução cubana ter-se iniciado do zero -"Não há começo do nada, exceto o que os crentes atribuem a Deus"- ou o caminho do exílio tomado por certas personalidades após o golpe de 64 -"Em uns tantos casos, sem motivação que não a do pânico".
"Combate nas Trevas" não se furta ao engajamento tido como necessário pelo autor, mas é um dos melhores relatos de um período nacional violento e obscuro, de ambos os lados.

Livro: Combate nas Trevas Autor: Jacob Gorender Lançamento: Ática Quanto: R$ 27,40 (294 págs.)


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