São Paulo, sábado, 19 de junho de 2004

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LANÇAMENTO

Autor francês vem ao Brasil com o peruano Antonio Cisneros

Deguy desvenda línguas da poesia

COLUNISTA DA FOLHA

Uma hesitação prolongada entre poesia e filosofia. Assim o francês Michel Deguy define sua poética, que pode ser conhecida no Brasil com o lançamento de "A Rosa das Línguas", seleção de poemas publicados entre 1966 e 2001 em diversos livros do autor.
Importante poeta contemporâneo, editor da revista "Po&sie", Deguy vem ao Brasil nesta semana, com o peruano Antonio Cisneros, que lança "Sete Pragas Depois" (Cosac & Naify e 7 Letras).
A seguir, leia entrevista em que fala sobre a ética da escrita e a busca de uma linguagem que exceda as separações entre poesia, mito e filosofia. (MANUEL DA COSTA PINTO)
 

Folha - Os críticos normalmente aproximam sua poesia à filosofia. Quais são as fontes dessa poética?
Michel Deguy -
Em francês, aproximar ["rapprocher"] e reprovar ["reprocher"] são palavras próximas. A aproximação (que é o operador poético essencial) é aquilo que se reprova no poema; é aí que se dá a discórdia. O surrealismo, por exemplo, é acusado de "falar sobre qualquer coisa".
Quanto a mim, vivo e trabalho na proximidade, na reciprocidade da poesia e da filosofia. Não é só minha história (de um universitário que primeiro foi filósofo, depois poeta), mas é a nossa história que começa pelo encontro de Sócrates com Homero, pela poética de Aristóteles etc. Nunca saímos dela, até Gadamer, Heidegger e tantos outros. Por que e como sair dela? Essa é a questão. Numa palavra: há uma escrita, que chamo de "parabólica", que excederia a repartição do filosofema, do teologema, do mitema e do poema.

Folha - Há ética em sua poesia? Podemos considerar "A Energia do Desespero", sobre a "responsabilidade poética", ou um poema como "Lembrete" ["O que não pode ser dito.../ Deve ser escrito"] como "imperativos categóricos"?
Deguy -
Um escritor responde a seu tempo e a partir de seu tempo. Seu encargo é "encarar o que vem pela frente", o iminente, que é também o ameaçador. Ele diz como "o mundo vai acabar" (Baudelaire). Passamos da era do engajamento (Sartre, Camus) para a era de testemunho (Celan, Primo Levi). Testemunhar é certificar o acontecimento, ou seja, descobri-lo à luz do passado, da interpretação. Tudo é "translatio studiorum". Estes não são "imperativos categóricos" no sentido kantiano; são escolhas, desejos, injunções.

Folha - Por que encontramos uma hesitação entre a poesia e a prosa nos poemas mais recentes que aparecem em "A Rosa das Línguas"?
Deguy -
Eu tomo o axioma de Valéry, para quem o poema é uma "hesitação prolongada entre som e sentido", e o generalizo. A generalização é o grande procedimento da modernidade. Isso resulta em hesitação (prolongada) entre X e Y e suas variáveis: entre filosofia e poesia, entre uma língua e outra, entre significação referente e auto-referencialidade etc. O coração da fórmula é "hesitação-entre".

Folha - "A Poesia Não Está Só", diz o título de um de seus livros de ensaios. Com quem ela está?
Deguy -
Ela está com suas irmãs, as musas. Ela está com todos os bastardos que Apolo gerou em suas jovens mulheres e que não são mais virgens há vários séculos: sétima arte, oitava arte, nona arte... Apolo tornou-se a "técnica": isso resultou no vídeo, na música eletroacústica etc. Mas atenção! Ela está "com" a música, "com" a filosofia, "com" a pintura, e agora não estou falando da dança das musas, mas na hierarquia hegeliana desierarquizada. "Com" é a grande palavra, assim como "entre". A grande palavra é "acompanhamento". A poesia acompanha e é acompanhada.


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