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LANÇAMENTO
Autor francês vem ao Brasil com o peruano Antonio Cisneros
Deguy desvenda línguas da poesia
COLUNISTA DA FOLHA
Uma hesitação prolongada entre poesia e filosofia. Assim o
francês Michel Deguy define sua
poética, que pode ser conhecida
no Brasil com o lançamento de "A
Rosa das Línguas", seleção de
poemas publicados entre 1966 e
2001 em diversos livros do autor.
Importante poeta contemporâneo, editor da revista "Po&sie",
Deguy vem ao Brasil nesta semana, com o peruano Antonio Cisneros, que lança "Sete Pragas Depois" (Cosac & Naify e 7 Letras).
A seguir, leia entrevista em que
fala sobre a ética da escrita e a busca de uma linguagem que exceda
as separações entre poesia, mito e
filosofia.
(MANUEL DA COSTA PINTO)
Folha - Os críticos normalmente
aproximam sua poesia à filosofia.
Quais são as fontes dessa poética?
Michel Deguy - Em francês,
aproximar ["rapprocher"] e reprovar ["reprocher"] são palavras
próximas. A aproximação (que é
o operador poético essencial) é
aquilo que se reprova no poema; é
aí que se dá a discórdia. O surrealismo, por exemplo, é acusado de
"falar sobre qualquer coisa".
Quanto a mim, vivo e trabalho
na proximidade, na reciprocidade
da poesia e da filosofia. Não é só
minha história (de um universitário que primeiro foi filósofo, depois poeta), mas é a nossa história
que começa pelo encontro de Sócrates com Homero, pela poética
de Aristóteles etc. Nunca saímos
dela, até Gadamer, Heidegger e
tantos outros. Por que e como sair
dela? Essa é a questão. Numa palavra: há uma escrita, que chamo
de "parabólica", que excederia a
repartição do filosofema, do teologema, do mitema e do poema.
Folha - Há ética em sua poesia?
Podemos considerar "A Energia do
Desespero", sobre a "responsabilidade poética", ou um poema como
"Lembrete" ["O que não pode ser
dito.../ Deve ser escrito"] como
"imperativos categóricos"?
Deguy - Um escritor responde a
seu tempo e a partir de seu tempo.
Seu encargo é "encarar o que vem
pela frente", o iminente, que é
também o ameaçador. Ele diz como "o mundo vai acabar" (Baudelaire). Passamos da era do engajamento (Sartre, Camus) para a
era de testemunho (Celan, Primo
Levi). Testemunhar é certificar o
acontecimento, ou seja, descobri-lo à luz do passado, da interpretação. Tudo é "translatio studiorum". Estes não são "imperativos
categóricos" no sentido kantiano;
são escolhas, desejos, injunções.
Folha - Por que encontramos uma
hesitação entre a poesia e a prosa
nos poemas mais recentes que aparecem em "A Rosa das Línguas"?
Deguy - Eu tomo o axioma de
Valéry, para quem o poema é
uma "hesitação prolongada entre
som e sentido", e o generalizo. A
generalização é o grande procedimento da modernidade. Isso resulta em hesitação (prolongada)
entre X e Y e suas variáveis: entre
filosofia e poesia, entre uma língua e outra, entre significação referente e auto-referencialidade
etc. O coração da fórmula é "hesitação-entre".
Folha - "A Poesia Não Está Só",
diz o título de um de seus livros de
ensaios. Com quem ela está?
Deguy - Ela está com suas irmãs,
as musas. Ela está com todos os
bastardos que Apolo gerou em
suas jovens mulheres e que não
são mais virgens há vários séculos: sétima arte, oitava arte, nona
arte... Apolo tornou-se a "técnica": isso resultou no vídeo, na
música eletroacústica etc. Mas
atenção! Ela está "com" a música,
"com" a filosofia, "com" a pintura, e agora não estou falando da
dança das musas, mas na hierarquia hegeliana desierarquizada.
"Com" é a grande palavra, assim
como "entre". A grande palavra é
"acompanhamento". A poesia
acompanha e é acompanhada.
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