São Paulo, domingo, 19 de junho de 2005

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DVD

Novo Aurora chega no próximo sábado com filmes como "O Beijo Amargo" (Samuel Fuller) e "Anos de Rebeldia" (Dennis Hopper)

Selo mergulha em clássicos do cinema

Divulgação
Constance Towers e Michael Dante em "O Beijo Amargo", clássico de Samuel Fuller que sai em DVD


TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

O nome foi tirado de um clássico de Murnau. Aurora, o novo selo, promete uma festa para os cinéfilos brasileiros: obras de Godard (sete a nove títulos da fase lúdico-cinefílica dos anos 60), Truffaut (o ciclo Doinel), Fritz Lang, Alain Resnais, Andrzej Wajda, Wim Wenders... Se a promessa for cumprida, o mercado nacional de DVDs chega, enfim, à sua idade viril?
Por enquanto, a realidade do Aurora, criado por dois amigos cinéfilos de Recife, o produtor Ricardo Carvalho e o crítico de cinema Ernesto Barros, são os quatro títulos que chegam às estantes no próximo sábado: "O Beijo Amargo" (Samuel Fuller, 1964), "Anos de Rebeldia" (Dennis Hopper, 1980), "Brinquedo Proibido" (René Clement, 1952) e "Rififi" (Jules Dassin, 1955).
"Priorizamos os clássicos, mas clássico para nós é aquele filme que deixa a sua marca na história do cinema", diz Ernesto Barros em entrevista à Folha. Daí a inauguração do catálogo da Aurora (que você confere no site www.auroradvd.com.br) se dar tanto com filmes que representam a chamada "tradição de qualidade" do cinema francês quanto com pérolas do velho cinema independente americano.
A seqüência de abertura de "O Beijo Amargo", brutal como todo bom momento da arte fulleriana, é uma síntese da obra desse vulcão chamado Samuel Fuller: uma prostituta se engalfinha com um cliente bêbado. No embate, sua peruca é arrancada. Careca, ela se revela ainda mais aguerrida. Os personagens de Fuller estão sempre se debatendo pateticamente antes de deixarem a máscara cair. Ao final de "O Beijo Amargo", é a regenerada prostituta quem vê, diante de si, a sociedade americana desmascarada.
Um especialista do bas-fond, Fuller não concebe nada mais santo do que uma prostituta regenerada. Em seu filme, é diante dessa mulher que o cidadão mais exemplar de uma pacata cidade do interior, o velho homem verídico (portador da verdade) do cinema americano, revelará a mais hedionda das patologias. O enredo do filme de Fuller se fez realidade em um filme recente, "A Captura dos Friedman", documentário que mostra, mais do que a pedofilia de um cidadão exemplar, a histeria social que a circunda, a patologia de toda a sociedade.
A geração de Fuller, a brilhante geração de 50, fazia uma espécie de alegoria da perversão do "american way". Depois dela, as metáforas foram cedendo terreno ao que hoje podemos chamar de cinema direto da patologia americana. Linda Manz, a pequena e estranha atriz de "Anos de Rebeldia", sintetiza um pouco dessa história em suas raras, mas marcantes, aparições na tela. De sua estréia no pequeno clássico de Terrence Malick, "Cinzas no Paraíso", nos anos 70, à sua participação no filme de Harmony Korinne, "Gummo" (1997), passando por essa bomba detonada pelo ator e diretor (bissexto) Dennis Hopper nos 80, Manz encarna, em seus personagens, toda a (progressiva) desagregação da família americana.
Em "Anos de Rebeldia", Hopper não faz mais do que implodir os resquícios dos vínculos familiares na era pós-hippie. Filha de uma drogadita histérica (Sharon Farrell) e de um marginal alcoólatra (o próprio Hopper), com quem mantém uma estranha relação, a precoce e rebelde CB (Manz) dá um tempo de casa para conhecer, de perto, o "freakshow" das ruas da América. Ao final de seu périplo, não restará, como costuma dizer um nosso conhecido, pedra sobre pedra.


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