São Paulo, domingo, 19 de junho de 2005
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Luta livre: moda X teatro X arte
Fashion Rio, que termina hoje, vira palco para profissionais debaterem o limite de suas áreas MODA X CULTURA Alberto Renault - Moda não é arte, é uma indústria voraz e antropofágica que absorve tudo. Uso
elementos da arte na moda. Alessandra Migani - Não que a
moda seja arte. As coleções conceituais expressam o que o criador tem a dizer, como a arte. Moda e arte são trabalhos autorais
que estão menos preocupados
com venda e mais preocupados
em transmitir a idéia de quem
produz. Minha criação é muito
parecida com a arte: passa o que
sinto para o consumidor. Pessoas
de pensamento mais erudito sentem-se mais seguras em usar peças mais conceituais, como a bolsa-baguete da última coleção. Não
é todo mundo que olha e gosta, é
preciso um certo refinamento. Daniela Thomas - A cultura é
uma coisa mutável. Agora o mundo da moda é o da vez. Sou velha o
bastante para ter passado por várias fases. As pessoas começaram
a me chamar para eu contribuir e
ajudar a criar esse bicho, essa performance, que é um desfile. Bia Lessa - Quando você compra
um produto, por exemplo, um
vestido, você está comprando um
pensamento. Um desfile é uma
oportunidade de agregar. Não
tem mais como não ter direção. Gringo Cardia - O papel do cenógrafo é ajudar, é como um arquiteto que faz a casa. MODA X TEATRO Hamilton Vaz Pereira - O teatro
tem a mesma coisa da moda: é
efêmero. Convence o público de
que aquilo existe e aquilo desaparece. Estou acostumado com essa
coisa de valorizar o instante. Essa
coisa efêmera da passarela é normal. Para mim, a vida é assim. Lessa - Você pode encontrar
moda dentro de um espetáculo de
teatro e pode encontrar teatro
dentro de um desfile de moda. É
uma coisa da modernidade, todas
as coisas estão em todos os lugares ao mesmo tempo. Essa discussão: esconde a roupa, mostra a
roupa... Esconde quando é malfeito... Quando a roupa é boa, tem
que mostrar. Felipe Hirsch - Geralmente o figurino no teatro responde de alguma maneira aos limites do realismo. Existe uma fonte diferente.
Existem grandes figurinistas que
trabalham com uma coisa mais
barroca e dramatúrgica que é diferente da liberdade, da sensação
que a moda tem. O teatro tem
uma âncora na dramaturgia, que
faz com que a fonte de criação seja
diferente. Renault - Por um momento, no
final dos anos 80, essa teatralidade
ficou malvista. Os belgas são um
exemplo, aquele minimalismo todo, pé no chão, música simples e
roupa, roupa, roupa... Alexander
McQueen começou com isso e
abriu esse espaço. Viktor & Rolf
também faz isso muito bem. Karlla Girotto - Na faculdade eles
não estimulam esse pensamento
completo da coleção, você fica focado mais nos itens. Eu precisei
pesquisar sobre outras manifestações artísticas. Fiz curso de teatro
no Antunes Filho, e ele tem um
material de vídeo ao qual eu assisti quase todo. Cardia - Os dois são espetáculos.
Desde que comecei a fazer desfiles, sempre gostei de desfile-show,
que é o conceito da moda, um
acontecimento visual. Fiz mais
moda praia, que é mais comportamento do que roupa em si. Moda conceitual estou fazendo agora
para o Tufi Duek. Cada vez mais a
moda está chegando nessa coisa
de instalação cenográfica e plástica para se situar. A cenografia situa você dentro de um espaço. Migani - Nunca vai acontecer de
uma mídia anular a outra. Acredito que é misturar as duas até se
fundir em uma coisa só. Tem que
completar sem segregar, o objetivo é a interação. REFERÊNCIAS: O MUNDO DA MODA LATU SENSU Thomas - Fiquei muito impactada quando, nos anos 80, vi o trabalho de Jean-Paul Gaultier. E depois também o do Yohji Yamamoto e da Comme de Garçons,
justamente por ver no estilista o
tipo de artista conceitual de que
gosto: com uma maneira de tratar
a roupa arquitetonicamente ou
como uma tela, uma escultura. Fiquei ligada na moda, mas como
maneira de pensar a vestimenta
para teatro. E depois a moda, nos
anos 90, começou a ficar um pouco emperuada demais, eu perdi o
interesse. Lessa - Tenho estilistas que são
referência: Yohji Yamamoto, Issey Miyake, Alexander McQueen
(acho incríveis os desfiles que ele
faz), Hussein Chalayan... A invenção do corte abre para mim um
pensamento que eu desconhecia.
O bom é quando a forma está linkada ao conteúdo. Hirsch - A moda sempre foi um
espelho da história, sempre contou do jeito dela a história. A moda está sempre percebendo a história da arte, contando essa história, e vice-versa. Num desses atalhos entre a história, a arte e a moda. A Daniela Thomas, que é uma
pessoa que eu admiro e que a gente já trabalhou muito junto, criou
vários cenários para as minhas
peças desde 2000. Renault - O inverso moda/teatro
também funciona. Christian Lacroix fez figurinos para ópera já.
Herchcovitch participou de novela. As modelos também têm uma
relação próxima com as atrizes, a
linha que divide as duas profissões é bem fina. Migani - Amo Viktor & Rolf.
Gosto do trabalho de Vivienne
Westwood, os sapatos dela são incríveis, põem a mulher num pedestal. A loja do estilista Martin
Margiela também é demais, não
tem placa, nenhum sinal. Eu tinha
só o endereço e, quando cheguei,
tomei um susto. Ele faz o que chamo de design inteligente. O DESFILE Renault - Olho para a cena e não
vejo a passarela. Desfile não pode
ser só a modelo caminhar até o fotógrafo para mostrar a roupa.
Gosto da idéia do "palco italiano".
O que gosto no teatro não é a dramaturgia, é a plasticidade. O desfile resume em 15 minutos o que
se trabalha por mais de seis meses. Hoje em dia não dá mais para
ser "minimal", tem que ajudar a
criar a imagem na cabeça do consumidor. Girotto - Divido em dois tipos de
apresentação bem definidos: o
primeiro é o estilista que cria uma
imagem final bem definida para o
trabalho. A pesquisa é muito mais
ampla e mais profunda e é concebida com a roupa. É a pesquisa essencial. A visualidade não pode
ser isolada. Preciso dessa verdade
maior nas minhas coleções. Outras marcas usam uma apresentação mais performática como ferramenta de marketing, que funciona como uma colagem para
criar uma outra conexão com a
roupa, pensada primeiro, para aí
desenvolver o resto dos elementos, como cenografia, maquiagem
e trilha. O link é superficial, não
essencial. Alexander McQueen e
Rei Kawakubo (Comme des Garçons) são exemplos. Os belgas
também fazem isso muito bem,
na sua linha "minimal". Quando
Martin Margiela põe a roupa sendo comida por bactérias, não pensou isso como um jeito de mostrar a coleção já pronta. Na hora
de criar a coleção pesquisou sobre
todo o processo químico e já desenvolveu isso em cima do trabalho de investigação. Lessa - O artista plástico ou pessoa de cinema ou teatro consegue
entender a coleção e ampliar
aquele conceito. O desfile da Salinas, por exemplo, amplia aquele
conceito da Carmen Miranda de
uma forma...! A banana que está
viva, não é uma Carmen Miranda
morta... E, ao mesmo tempo, a banana que vai apodrecer em alguns
dias tem uma coisa a ver com a
moda, é uma coisa efêmera. Mas a
moda também transcende isso,
essa cartografia das temporadas e
estações... Cardia - Gosto muito de John
Galliano, de McQueen, fazem
sempre espetáculos plásticos. Vão
além da moda, e acho isso muito
legal. Só me sinto dentro da moda
contribuindo dessa maneira. Para
mim, que não sou uma pessoa de
moda, trabalho contribuindo.
Tem um cara que eu gosto muito,
Walter von Beirendonck, da
W<, que acho um gênio. Gosto dessa coisa teatral, que ele tem
bem forte, de tipos, sexo, ao mesmo tempo poético. Ele junta extremos. Essa mistura é bem contemporânea. Gosto bastante de
Alexandre Herchcovitch. Migani - O desfile precisa do
comportamento; o comportamento precisa da ambientação.
Só aí penso na roupa, quando já
tenho decidido o espaço que ela
vai ser apresentada, diferente de
outros estilistas, que pensam na
coleção (produto) antes. MEU LOOK Vaz Pereira - Não tenho nenhum
contato com moda. Não compro
grife, sou totalmente fora de moda. Às vezes, as pessoas são simpáticas e dizem que eu sou elegante. Uso roupas dos figurinos da
peça que estou fazendo, não estou
nem aí para isso. Ao mesmo tempo, acho bonito ver uma pessoa
bem-vestida. Thomas - Uso uma roupa de
operário padrão, visto o básico.
Uso a mesma coisa: jeans ou calça
preta, camiseta preta ou branca e
casaquinho. Passo direto, ninguém me olha. Sou meio voyeur,
prefiro observar. Lessa - Sou muito eclética. Moda
para mim é estar bem nos lugares
da forma mais parecida comigo.
Não tenho marca, misturo tudo.
Gosto de roupas mais clássicas:
jeans e camiseta branca, vermelho
ou amarelo. Nunca olho para a
roupa que as pessoas estão. Cardia - Gosto bastante de Fred
Perry, mais as camisas, estilo
meio inglês; gosto da Diesel e da
Energie. Quando gosto, uso uma
roupa todo dia até rasgar e acabar.
Com tênis também faço isso:
compro um e uso todos os dias;
calça também. Troco só as outras
coisas. Colaboraram Sergio Amaral e André do Val, enviados especiais ao Rio. Os jornalistas viajam a convite do Fashion Rio Texto Anterior: DVD: Selo mergulha em clássicos do cinema Próximo Texto: Crítica: "Tudo a Ver" tem jornalismo de variedades Índice |
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