São Paulo, sexta-feira, 19 de junho de 2009

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Crítica/teatro

Excesso de energia afeta "De Vita Sua"

Atuações viscerais são responsáveis por bons e maus momentos de peça, que tem bela trilha do maestro Roberto Minczuk

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Um dos desafios mais antigos dos dramaturgos é o de transformar teses fechadas em ações dramáticas, que aspiram ao imponderável da vida. O espetáculo "De Vita Sua", da Cia da Revista, é um exemplo claro dessa dificuldade. A premiada dramaturga Marília Toledo adapta estudo do psiquiatra David Levisky, "Um Monge no Divã - A Trajetória de um Adolescer na Idade Média Central".
O livro serve-se da autobiografia do monge beneditino Guibert de Nogent (1055-1125) para tentar uma psicanálise do religioso, com foco no período de sua adolescência. Conscientes das armadilhas de uma transposição histórica e evitando assumir o discurso autorizado do psicanalista, a dramaturga e o encenador Kleber Montanheiro optam por trabalhar mais os aspectos sensoriais do que os racionais na lida com essa saga medieval.
O exíguo espaço de seu Miniteatro é preparado para sugerir um clima austero e evocar a gravidade dos mosteiros. A história começa com uma procissão que leva os espectadores a um piso superior. Ela será narrada pelo personagem central, que ora pontua os sucessivos episódios da trama ora aparece entranhado na ação.
Tanto a dimensão narrativa como a dramática aparecem contaminadas pela intensidade do fervor religioso, que situa o narrador e todos os demais personagens em um registro próximo do transe. Assim, já nos fatos antecedentes ao nascimento do protagonista, os atores e as atrizes trabalham numa velocidade alterada.
Com cenas relâmpagos e mudanças rápidas, vai se configurando a dolorida trajetória de uma criança prometida a Deus ainda no berço, e chega-se a obter alguma cumplicidade do espectador, dando-lhe margem a reflexões sobre as circunstâncias existenciais do medievo. Mas, à medida que se aproxima o cerne da investigação proposta, a adolescência de Guibert de Nogent, a nitidez da encenação vai se rarefazendo até ela, quase, perder contato com seu interlocutor potencial.
As pulsões que vão acometendo o monge normando ali retratado são encarnadas com fervor pelo ator Marcelo Galdino, que se entrega à proposta de uma interpretação visceral. Os melhores momentos do espetáculo advêm dessa energia, compartilhada por todo elenco. Mas, ironicamente, ela também é responsável pela dispersão que desfoca o personagem e rompe o fio que vinha sendo tramado em torno dele.
Nem a bela trilha do maestro Roberto Minczuk salva "De Vita Sua" desse malogro. Talvez seja um problema da direção, talvez uma limitação da dramaturgia, que não conseguiu, resistindo a transformar tudo numa peça de tese, constituir uma ação que ganhasse vida própria.


DE VITA SUA

Quando: sex. e sab. às 21h; dom., às 20h; até 26/7
Onde: Miniteatro (pça. Franklin Roosevelt, 108, Consolação, região central; tel. 0/xx/11/2865-5955; R$ 30)
Classificação: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: regular




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