São Paulo, sexta, 19 de junho de 1998

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TEATRO
'Santa Joana 5' ganha clareza e perde humor

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Nas três dezenas de espetáculos que o centenário de Bertolt Brecht estimulou, "Santa Joana dos Matadouros" talvez seja o que buscou mais, esforçou-se mais em achar "a atualidade de Brecht".
Leituras abertas, apresentações em toda parte, uma, duas, cinco versões. Juntou dois diretores, reuniu estudiosos, ocupou até uma revista de teatro.
Ao ver a quinta versão, é o caso de perguntar se valeu tanto esforço para resultado assim modesto. "Ensaio para Danton", espetáculo anterior do grupo, era, em contraste, tão mais belo -e atual.
Foi-se o rigor na cenografia, agora lembrando alguma paródia do "socialismo real", com suas cores cinzentas e improvisação cenotécnica. Mas não, não são os cenários ou figurinos o problema.

Mudança de foco
Em versão anterior, talvez a terceira, também despojada, "Santa Joana" trazia todos os sinais do entretenimento sempre valorizado por Brecht. Estava então concentrada em Bocarra, o vilão.
Ele é o especulador do mercado da carne, em conflito com os operários em desemprego crescente -conflito no qual se intromete Joana, idealista, mas ao final um joguete na mão de Bocarra.
Naquela versão, o ator Gustavo Bayer dava a Bocarra atualidade profunda e humor (e estranheza) que tornavam a peça uma bela de uma comédia.
Nesta quinta versão, mudaram-se cenas de lugar, marcações, diálogos. E Bocarra como que se escondeu.
As luzes focaram em Joana, que é o que o texto pede. "Santa Joana" ganhou o didatismo que não tinha. Tornou-se clara, inteligível, quase simplista. Mas o impacto sobre o público já não é o mesmo.
Daí a sensação de um resultado modesto. Não fosse o espetacular "Arturo Ui" que passou pelo país, do grupo Berliner Ensemble, "Santa Joana" seria o veredicto contra a atualidade de Bertolt Brecht.
É preciso dizer que parte da frustração com essa versão supostamente final da peça se deve à atriz que faz Joana, Deborah Lobo. A personagem não pede um belo rosto, mas uma intérprete que acredite nela -e não a exponha como uma equivocada, uma desavisada desde a primeira cena.
Talvez o problema esteja também no texto, certamente está em seu maniqueísmo, mas é algo que se poderia corrigir na encenação. A menos que a encenação acredite que Joana, uma personagem, não passe mesmo de uma idiota.


Peça: Santa Joana dos Matadouros
Direção: Sérgio de Carvalho e Márcio Marciano
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h
Onde: teatro João Caetano (r. Borges Lagôa, 650, tel. 011/573-3774)
Quanto: R$ 10



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