da Reportagem Local

A definição que o espanhol Ramón del Valle-Inclán criou foi "esperpento". Mas distorção talvez seja uma palavra que facilite o entendimento. Ele escreveu peças em que o humor (das novelas de cavalaria, por exemplo) se distorce na farsa e no grotesco.
Foi o que levou às distorções gestuais dos atores da peça "Divinas Palavras", em recente encenação baiana. William Pereira, diretor de outro "esperpento" de Valle-Inclán escrito em 1920, "Luzes da Boemia", busca caminho diverso, não tão óbvio e formalista.
Em primeiro lugar, por ter um belo de um texto nas mãos. "Luzes da Boemia" ecoa, numa única noite, o que teriam sido os últimos dias do poeta Alejandro Sawa. Aqui o poeta, ou o "arquétipo" de um poeta, responde pelo nome de Max Estrella.
Está velho, pobre -e sua família (mulher e filha) passa fome. Arrasta-se cego pela noite "boêmia" de Madri, uma Madri que é descrita como "absurda".
Poetas modernistas, bêbados, prostitutas, jornalistas, policiais e políticos passam diante dele como em imagens distorcidas de quadros de "Dom Quixote" -e num adeus ao poeta, que morrerá ainda aquela noite.
É emocionante o poeta em sua afirmação da liberdade e do império da arte mesmo sob a pressão da miséria. E mesmo diante da turbulência social daquela noite, no que parece uma revolução. Ele passa por tudo aquilo, interfere, mas não se deixa mudar de destino, a caminho da morte por frio.
Como em "Sinfonia de uma Noite Inquieta", peça que montou com base em Fernando Pessoa, o diretor reencontra aqui uma espécie de lirismo no desenrolar da história, em seus diálogos.
Mas "Luzes" ainda não tem a fluência, a sintonia fina de emoção da "Sinfonia". O protagonista Heitor Goldflus, embora de atuação firme, competente, fica devendo na paixão do poeta. (NS)


Peça: Luzes da Boemia Direção: William Pereira Quando: qui a sáb, às 21h; dom, às 19h
Onde: teatro Arthur Azevedo (av. Paes de Barros, 955, tel. 011/292-8007)
Quanto: R$ 10 (estacionamento grátis)



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