São Paulo, sexta, 19 de junho de 1998

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MÚSICA
Johnny Alf lança nono disco em 46 anos

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Em 46 anos de carreira artística, o cantor e compositor Johnny Alf, 69, só lançou nove álbuns. Mas a trajetória de descaso da indústria fonográfica com este que é um dos precursores da bossa nova pode ser reorientada se se levar em conta que, desses nove, dois saíram nos últimos seis meses.
O acontecimento, agora, é "Cult Alf", primeiro disco ao vivo da história de Alf, sucessor de "Letra & Música - Noel Rosa" (97), CD de tributo a Noel Rosa que ele dividiu com o pianista Leandro Braga.
"O CD do Noel ajudou muito nessa retomada. Um disco é importante para um artista. Para artistas como eu, que vieram da bossa nova, agora não está muito fácil de gravar. Mas meu trabalho de palco tem sido muito assediado pela juventude, acho que também ajuda", afirma Alf.
Ambos os exemplares são iniciativas de gravadoras menores, em tiragens pequenas -o de Noel saiu pela Lumiar, e "Cult Alf", pela Natasha Records.
E ele tem feito mais. Acaba de participar de um CD da gravadora de títulos religiosos Comep, musicando versos recitados pelo bispo Pedro Casaldáliga. "Foi importante para mim assessorar seus versos, porque exigia uma proposta em termos de melodia."
"Cult Alf", em especial, é um projeto paralelo. Nasceu como produto derivado de dois vídeos que o pesquisador João Carlos Rodrigues produziu com Alf. "Ele teve a idéia de tirar uma parte do show em áudio, e aí em transformar em disco", diz o artista.
Depois de Noel, este representa a volta de Johnny Alf a seu universo de ação. Há várias composições próprias: a inédita (e instrumental) "Idriss", "Redenção" (nunca registrada em sua voz), "Fim-de-Semana em Eldorado", "Luz Eterna" e "Céu e Mar" (as três ele já havia gravado).
Num outro bloco de canções, Alf homenageia seu contemporâneo Dick Farney (1922-87), cantando "Alguém como Tu", "Esquece" e "Copacabana". Adiante, leva bossa nova à obra de Villa-Lobos, no duo "Melodia Sentimental"- "Bachiana Nš 5 (Cantilena)".
Alf diz que não há contradição entre seu samba-jazz e a obra erudita muito brasileira de Villa-Lobos. "Eu já a usava em números instrumentais. Comecei a testar cantar em bossa, pensei: "Será que o pessoal vai aceitar?'. Essa gravação é justamente da primeira vez que cantei isso em público."
40 anos?
Nascido no Rio de Janeiro, Johnny Alf abraçou uma forma peculiar de samba-jazz já em 1952 -seis anos antes da eclosão da bossa nova-, com composições como "Rapaz de Bem", que existem para fazer jus à fama de Alf como precursor do movimento.
"Não me sinto ligado à bossa nova", repete uma vez mais. Por isso, admite estranheza diante do subtítulo que ganhou o CD da Natasha, "40 Anos de Bossa Nova".
"É, realmente esse detalhe foi infeliz. Talvez seja coincidência que em 1952 eu tenha feito músicas que depois tiveram efeito na bossa nova", afirma, entre irônico e conformado.
Fato é que, quando a bossa alçou vôo, em 58, Alf havia dado as costas para o cenário indissociável do movimento -o Rio. Mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje.
"Me adaptei bem ao clima de urgência de São Paulo. Não gosto de me expor muito pessoalmente. Moro só, faço tudo sozinho em casa, não estou acostumado a ser assediado, São Paulo permite que eu seja assim", justifica.
"Queria ser independente, fiquei por aqui mesmo. Tudo que acontece São Paulo, mostra, cinema, teatro. Isso me atrai muito, acrescenta muito ao meu trabalho. Sempre corro atrás do saber, e minha percepção é eclética."
"Gosto de conviver com jovens, minha banda é toda de músicos jovens. Os músicos da minha idade são preconceituosos com a música atual. Há um cantor que não digo o nome que diz que a música boa foi até os Beatles aparecerem, que os Beatles mancharam a música. Eu não penso assim."
Define-se, então, como um artista comprometido com os movimentos de evolução da música. "Ouço de tudo. Gosto de Erykah Badu, Jon Secada, gosto muito de Cássia Eller, Daúde", exemplifica.
Do passado pré-samba-jazz também não foge. "Essa MPB de antes foi que me deu todo o painel para eu fazer o que faço. Não perdia um musical de Fred Astaire, mas hoje, mais maduro, posso analisar de forma mais inteligente a importância de Carmen Miranda, Emilinha Borba, Custódio Mesquita."
Diz não ignorar a fratura que a bossa veio causar àquela geração anterior. "Quando pintou a bossa, com Stan Getz acobertando os artistas, a repercussão lá fora fez com que aqui eles fossem endeusados. Isso prejudicou muita gente que vinha de antes, mas acho que não é culpa de ninguém", afirma.
E arremata: "A gente tem que se ligar e ver o aconteceu e o que está acontecendo. No final, é tudo uma coisa só. Já que sou músico, tenho que ouvir tudo, saber o caminho que a música está tomando."



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