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MÚSICA
Johnny Alf lança nono disco em 46 anos
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Em 46 anos de carreira artística,
o cantor e compositor Johnny Alf,
69, só lançou nove álbuns. Mas a
trajetória de descaso da indústria
fonográfica com este que é um dos
precursores da bossa nova pode
ser reorientada se se levar em conta que, desses nove, dois saíram
nos últimos seis meses.
O acontecimento, agora, é "Cult
Alf", primeiro disco ao vivo da
história de Alf, sucessor de "Letra
& Música - Noel Rosa" (97), CD
de tributo a Noel Rosa que ele dividiu com o pianista Leandro Braga.
"O CD do Noel ajudou muito
nessa retomada. Um disco é importante para um artista. Para artistas como eu, que vieram da bossa nova, agora não está muito fácil
de gravar. Mas meu trabalho de
palco tem sido muito assediado
pela juventude, acho que também
ajuda", afirma Alf.
Ambos os exemplares são iniciativas de gravadoras menores, em
tiragens pequenas -o de Noel
saiu pela Lumiar, e "Cult Alf",
pela Natasha Records.
E ele tem feito mais. Acaba de
participar de um CD da gravadora
de títulos religiosos Comep, musicando versos recitados pelo bispo
Pedro Casaldáliga. "Foi importante para mim assessorar seus
versos, porque exigia uma proposta em termos de melodia."
"Cult Alf", em especial, é um
projeto paralelo. Nasceu como
produto derivado de dois vídeos
que o pesquisador João Carlos Rodrigues produziu com Alf. "Ele
teve a idéia de tirar uma parte do
show em áudio, e aí em transformar em disco", diz o artista.
Depois de Noel, este representa a
volta de Johnny Alf a seu universo
de ação. Há várias composições
próprias: a inédita (e instrumental) "Idriss", "Redenção" (nunca registrada em sua voz),
"Fim-de-Semana em Eldorado",
"Luz Eterna" e "Céu e Mar" (as
três ele já havia gravado).
Num outro bloco de canções, Alf
homenageia seu contemporâneo
Dick Farney (1922-87), cantando
"Alguém como Tu", "Esquece"
e "Copacabana". Adiante, leva
bossa nova à obra de Villa-Lobos,
no duo "Melodia Sentimental"-
"Bachiana Nš 5 (Cantilena)".
Alf diz que não há contradição
entre seu samba-jazz e a obra erudita muito brasileira de Villa-Lobos. "Eu já a usava em números
instrumentais. Comecei a testar
cantar em bossa, pensei: "Será
que o pessoal vai aceitar?'. Essa
gravação é justamente da primeira
vez que cantei isso em público."
40 anos?
Nascido no Rio de Janeiro,
Johnny Alf abraçou uma forma
peculiar de samba-jazz já em 1952
-seis anos antes da eclosão da
bossa nova-, com composições
como "Rapaz de Bem", que existem para fazer jus à fama de Alf
como precursor do movimento.
"Não me sinto ligado à bossa
nova", repete uma vez mais. Por
isso, admite estranheza diante do
subtítulo que ganhou o CD da Natasha, "40 Anos de Bossa Nova".
"É, realmente esse detalhe foi
infeliz. Talvez seja coincidência
que em 1952 eu tenha feito músicas que depois tiveram efeito na
bossa nova", afirma, entre irônico e conformado.
Fato é que, quando a bossa alçou
vôo, em 58, Alf havia dado as costas para o cenário indissociável do
movimento -o Rio. Mudou-se
para São Paulo, onde vive até hoje.
"Me adaptei bem ao clima de
urgência de São Paulo. Não gosto
de me expor muito pessoalmente.
Moro só, faço tudo sozinho em casa, não estou acostumado a ser assediado, São Paulo permite que eu
seja assim", justifica.
"Queria ser independente, fiquei por aqui mesmo. Tudo que
acontece São Paulo, mostra, cinema, teatro. Isso me atrai muito,
acrescenta muito ao meu trabalho.
Sempre corro atrás do saber, e minha percepção é eclética."
"Gosto de conviver com jovens,
minha banda é toda de músicos jovens. Os músicos da minha idade
são preconceituosos com a música
atual. Há um cantor que não digo
o nome que diz que a música boa
foi até os Beatles aparecerem, que
os Beatles mancharam a música.
Eu não penso assim."
Define-se, então, como um artista comprometido com os movimentos de evolução da música.
"Ouço de tudo. Gosto de Erykah
Badu, Jon Secada, gosto muito de
Cássia Eller, Daúde", exemplifica.
Do passado pré-samba-jazz também não foge. "Essa MPB de antes
foi que me deu todo o painel para
eu fazer o que faço. Não perdia um
musical de Fred Astaire, mas hoje,
mais maduro, posso analisar de
forma mais inteligente a importância de Carmen Miranda, Emilinha Borba, Custódio Mesquita."
Diz não ignorar a fratura que a
bossa veio causar àquela geração
anterior. "Quando pintou a bossa, com Stan Getz acobertando os
artistas, a repercussão lá fora fez
com que aqui eles fossem endeusados. Isso prejudicou muita gente
que vinha de antes, mas acho que
não é culpa de ninguém", afirma.
E arremata: "A gente tem que se
ligar e ver o aconteceu e o que está
acontecendo. No final, é tudo uma
coisa só. Já que sou músico, tenho
que ouvir tudo, saber o caminho
que a música está tomando."
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