São Paulo, sexta, 19 de junho de 1998

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CRÍTICA
Filme joga com limites

da Redação

O limite entre a loucura e a "normalidade" foi uma questão que sempre atraiu o diretor John Cassavetes.
Desde "A Child Is Waiting", história de um menino internado numa instituição para crianças com problemas mentais, passando por "A Woman under the Influence", em que Gena Rowlands faz uma dona de casa que vai parar no hospício, até "Opening Night", com a mesma atriz (e mulher do cineasta) no papel de uma estrela de teatro perturbada pela carreira decadente e pelo vício.
"Loucos de Amor", roteiro engavetado pelo diretor que seu filho Nick decidiu rodar, vem retomar de maneira mais explícita a relação entre a loucura e o amor (ou a entrega), já sugerida em "A Woman..." (sobre uma mulher que vive para a família) e "Opening Night" (sobre uma atriz que vive para o teatro).
O sentimento que Eddie (Sean Penn) nutre por Maureen (Robin Wright Penn) não tem limites.
Ele seria capaz até de matar por sua mulher, fato de que ela tem consciência. Tanto que esconde a identidade de um vizinho que a certa altura tenta violentá-la para evitar uma tragédia.
Maureen também não leva uma vida padrão. Alcoólatra, grávida e perturbada (de amor?), vive de bar em bar procurando o amado.
Confusa, interna Eddie e se casa com Joey (John Travolta). Sua sinceridade só faz torturar o segundo marido, cujo modo de vida corresponde mais aos padrões de "normalidade" -seu verdadeiro amor é aquele que está internado.
Quando Eddie recebe alta, Maureen é obrigada, por Joey, a decidir com quem quer ficar.

Liberdade na ação
O comportamento dos personagens de "Loucos de Amor" é absolutamente passional, livre das normas sociais. Essa liberdade, levada ao extremo, resulta em desajuste (e beira a loucura).
Eddie e Maureen não têm limites: dizem tudo o que lhes vem à mente, dançam quando querem dançar e comem quando querem comer -nem que para isso tenham que acordar o dono de um restaurante a altas horas.
E, o que é mais surpreendente, o dono do restaurante acorda e cozinha. Assim como a bilheteira de uma boate deixa Maureen e Eddie entrarem e dançarem sem pagar.
Eddie é quem possui a loucura clínica. Mas a fuga dos "padrões sociais" é uma constante em todos os personagens. O que torna a fronteira entre loucura e normalidade ainda mais frágil.
O que se presencia, finalmente, é um delicioso universo em que tudo é permitido. Não que os personagens não sofram as consequências disso -eles compram a briga.

Liberdade na forma
Outro tipo de liberdade se faz sentir na direção de Nick, no que ele faz jus ao pai -ainda que ambos tenham estilos diferentes.
John Cassavetes parecia se deixar levar pelos enredos que narrava, o que resultava num tratamento diferente do tempo.
Cenas que, numa estrutura narrativa tradicional, seriam curtas por não serem "fundamentais" ao desenrolar da trama, poderiam ser muito longas se os atores nela se estendessem e o resultado fosse satisfatório. Como se o tempo de cada cena fosse ditado pelos personagens, e não por um compromisso com uma estrutura narrativa preestabelecida.
A direção de Nick Cassavetes possui uma liberdade de caráter distinto. Em "Loucos de Amor" ela se manifesta sobretudo na desenvoltura com que ele varia de tom, passando do trágico ao cômico com maestria.
Exemplo é uma das cenas (finais) de confronto entre Maureen, Eddie e Joey. Ela sucede um dos momentos de maior dramaticidade do filme e, surpreendentemente, acaba quase em pastelão.
Enfim, a história de "Loucos de Amor", por tudo o que tem de inconsequente, é um banho de irreverência à la anos 70 (quando o roteiro foi escrito) nos desesperançados e delimitados anos 90, onde cada coisa tem o seu espaço e a sua hora.
Se o sonho do amor que tudo pode acabou, pelo menos saímos do cinema com a certeza de que ele um dia existiu. (CS)


Filme: Loucos de Amor Produção: EUA, 1997 Direção: Nick Cassavetes Com: Sean Penn, Robin Wright Penn, John Travolta Quando: a partir de hoje, nos cines Cinearte 1, Gemini 1 e circuito



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