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CRÍTICA
Filme joga com limites
da Redação
O limite entre a loucura e a
"normalidade" foi uma questão
que sempre atraiu o diretor John
Cassavetes.
Desde "A Child Is Waiting",
história de um menino internado
numa instituição para crianças
com problemas mentais, passando por "A Woman under the Influence", em que Gena Rowlands
faz uma dona de casa que vai parar
no hospício, até "Opening
Night", com a mesma atriz (e mulher do cineasta) no papel de uma
estrela de teatro perturbada pela
carreira decadente e pelo vício.
"Loucos de Amor", roteiro engavetado pelo diretor que seu filho
Nick decidiu rodar, vem retomar
de maneira mais explícita a relação entre a loucura e o amor (ou a
entrega), já sugerida em "A Woman..." (sobre uma mulher que
vive para a família) e "Opening
Night" (sobre uma atriz que vive
para o teatro).
O sentimento que Eddie (Sean
Penn) nutre por Maureen (Robin
Wright Penn) não tem limites.
Ele seria capaz até de matar por
sua mulher, fato de que ela tem
consciência. Tanto que esconde a
identidade de um vizinho que a
certa altura tenta violentá-la para
evitar uma tragédia.
Maureen também não leva uma
vida padrão. Alcoólatra, grávida e
perturbada (de amor?), vive de bar
em bar procurando o amado.
Confusa, interna Eddie e se casa
com Joey (John Travolta). Sua sinceridade só faz torturar o segundo
marido, cujo modo de vida corresponde mais aos padrões de "normalidade" -seu verdadeiro
amor é aquele que está internado.
Quando Eddie recebe alta, Maureen é obrigada, por Joey, a decidir com quem quer ficar.
Liberdade na ação
O comportamento dos personagens de "Loucos de Amor" é absolutamente passional, livre das
normas sociais. Essa liberdade, levada ao extremo, resulta em desajuste (e beira a loucura).
Eddie e Maureen não têm limites: dizem tudo o que lhes vem à
mente, dançam quando querem
dançar e comem quando querem
comer -nem que para isso tenham que acordar o dono de um
restaurante a altas horas.
E, o que é mais surpreendente, o
dono do restaurante acorda e cozinha. Assim como a bilheteira de
uma boate deixa Maureen e Eddie
entrarem e dançarem sem pagar.
Eddie é quem possui a loucura
clínica. Mas a fuga dos "padrões
sociais" é uma constante em todos os personagens. O que torna a
fronteira entre loucura e normalidade ainda mais frágil.
O que se presencia, finalmente, é
um delicioso universo em que tudo é permitido. Não que os personagens não sofram as consequências disso -eles compram a briga.
Liberdade na forma
Outro tipo de liberdade se faz
sentir na direção de Nick, no que
ele faz jus ao pai -ainda que ambos tenham estilos diferentes.
John Cassavetes parecia se deixar levar pelos enredos que narrava, o que resultava num tratamento diferente do tempo.
Cenas que, numa estrutura narrativa tradicional, seriam curtas
por não serem "fundamentais"
ao desenrolar da trama, poderiam
ser muito longas se os atores nela
se estendessem e o resultado fosse
satisfatório. Como se o tempo de
cada cena fosse ditado pelos personagens, e não por um compromisso com uma estrutura narrativa preestabelecida.
A direção de Nick Cassavetes
possui uma liberdade de caráter
distinto. Em "Loucos de Amor"
ela se manifesta sobretudo na desenvoltura com que ele varia de
tom, passando do trágico ao cômico com maestria.
Exemplo é uma das cenas (finais) de confronto entre Maureen,
Eddie e Joey. Ela sucede um dos
momentos de maior dramaticidade do filme e, surpreendentemente, acaba quase em pastelão.
Enfim, a história de "Loucos de
Amor", por tudo o que tem de inconsequente, é um banho de irreverência à la anos 70 (quando o
roteiro foi escrito) nos desesperançados e delimitados anos 90,
onde cada coisa tem o seu espaço e
a sua hora.
Se o sonho do amor que tudo
pode acabou, pelo menos saímos
do cinema com a certeza de que
ele um dia existiu.
(CS)
Filme: Loucos de Amor
Produção: EUA, 1997
Direção: Nick Cassavetes
Com: Sean Penn, Robin Wright Penn, John
Travolta
Quando: a partir de hoje, nos cines
Cinearte 1, Gemini 1 e circuito
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