São Paulo, sexta, 19 de junho de 1998

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Nick Cassavetes filma o amor que só se vive uma vez


Em entrevista à Folha, o ator e diretor diz que "Loucos de Amor", baseado em roteiro de John Cassavetes, é uma homenagem a seu pai; longa estréia hoje


CECÍLIA SAYAD
da Redação

"Loucos de Amor", filme que estréia hoje, é uma homenagem do ator Nick Cassavetes ("A Outra Face") a seu pai, o cineasta norte-americano John Cassavetes, morto em 89.
Trata-se do segundo longa-metragem dirigido por Nick. O primeiro, "De Bem com a Vida", ele diz ter feito para a mãe, a atriz Gena Rowlands ("Gloria").
"Decidi que meu segundo filme seria dedicado a meu pai", disse o artista em entrevista à Folha por telefone, de Los Angeles.
O roteiro, originalmente intitulado "She's De Lovely" (como a canção de Cole Porter) e que Nick Cassavetes rebatizou de "She's So Lovely" (título do filme em inglês), foi escrito em meados da década de 70 -"não saberia precisar o ano", diz Cassavetes filho.
O filme conta a louca história de amor vivida por Eddie (Sean Penn, que recebeu o prêmio de melhor ator em Cannes no ano passado) e Maureen (Robin Wright Penn, mulher de Sean).
Do elenco fazem parte também John Travolta e Gena Rowlands, dando continuidade à tradição de trabalhar em família que marcou a carreira de John Cassavetes (leia texto nesta página).
Veja a seguir os principais trechos da entrevista de Nick, que atualmente trabalha na adaptação para o cinema do livro "Going after Cacciato", de Tim O'Brien.

Folha - Por que John Cassavetes nunca chegou a filmar "Loucos de Amor"?
Nick Cassavetes -
Ele provavelmente não conseguiu dinheiro.
Folha - Como surgiu para você a decisão de rodá-lo?
Cassavetes -
Aconteceu enquanto eu estava filmando "De Bem com a Vida". Eu escrevi esse primeiro filme para minha mãe, ele é baseado em nossa vida. Assim, decidi que meu segundo filme seria dedicado a meu pai.
Folha - Há elementos que você adicionou a "Loucos de Amor" que não estavam presentes no roteiro?
Cassavetes -
Muitos, mas não gostaria de entrar em detalhes. Acho que o filme é muito representativo do que John queria que ele fosse, ou do que imaginei que ele gostaria que fosse. Muito do que meu pai escreveu está lá, mas eu fui o diretor e fiz com esse roteiro o que faria com qualquer outro -tornei-o inteligível para mim.
Folha - Houve muitos ensaios?
Cassavetes -
Dependendo da situação ou do ator. Minha mãe, por exemplo, não gosta de ensaiar muito. Já John Travolta prefere ensaiar bastante. Por mim, não faria muitos ensaios. Gosto da espontaneidade que surge entre os atores nos primeiros momentos.
Folha - Como o fato de você ser um ator influencia sua direção?
Cassavetes -
Para começar, gosto de atores. Pelo menos nos EUA, eles são tratados somente como parte de um sistema maior. Por atuar, eu os compreendo e sei que eles precisam de espaço para se expressarem. É muito fácil filmar a explosão de um prédio, mas é difícil captar um verdadeiro momento de emoção num filme. Quando você consegue, tem que agarrar esse momento.
Folha - Era importante para você que os atores que interpretam Maureen e Eddie fossem casados na vida real ou foi coincidência?
Cassavetes -
Não era importante, mas tiramos benefícios disso, por causa do sentimento de aconchego que existe entre marido e mulher. Aconteceu de eu ter dois dos melhores atores dos EUA no filme. Tive muita sorte.
Folha - Qual a relação entre amor e loucura?
Cassavetes -
Há diferença entre eles? (Risos.) Acho que o amor que tentei descrever no filme contém loucura e é o tipo de amor que você só tem uma vez na vida, quando é jovem e ainda não foi muito traído nem machucado. É o tipo de amor que gostaríamos de reviver quando ficamos velhos, desejando não ter adquirido sabedoria, só para poder voltar a amar assim. Um amor que sacode da cabeça aos pés e faz sofrer o tempo todo.
Folha - O fato de os personagens serem movidos pela paixão faz deles pessoas mais livres?
Cassavetes -
Em certos aspectos, sim. Em outros, não. Acho que a liberdade tem um preço, você faz muitas pessoas sofrerem quando é totalmente livre. O filme mostra isso. É bom ou ruim? Não vou julgar. Folha - Qual a principal contribuição de seu pai para seu trabalho como diretor?
Cassavetes -
O que de mais importante aprendi com meu pai não tem a ver com meu trabalho, tem a ver com minha pessoa. Éramos muito próximos e ele me mostrou como ser um homem íntegro, e que a integridade é algo que se tem ou não, mas que mantê-la é uma luta diária. Você tem que estar em contato consigo mesmo para saber como pensa e ser homem o bastante para assumir suas idéias.
Folha - O poder da indústria do cinema nos EUA torna a realização de filmes independentes mais difícil do que em outros lugares?
Cassavetes -
Acho que não deve ter lugar mais difícil do que os EUA para fazer filmes independentes. Há um conceito tão rígido do que é bom e o que é ruim num filme, e isso depende tanto de quanto o filme rende... Cada vez menos a questão é contar uma história e revelar um ponto de vista. E às vezes, nos EUA, os trabalhos que revelam as idéias de um artista são os que menos dão dinheiro.
Folha - Essa é a razão que faz diretores como seu pai e Woody Allen terem mais sucesso na Europa?
Cassavetes -
Imagino que os europeus são mais sofisticados em termos cinematográficos.



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