São Paulo, Sábado, 19 de Junho de 1999
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CINEMA
Pauline Kael, 80


A maior crítica de cinema dos Estados Unidos neste século, que influenciou atores e diretores, só começou a carreira aos 34 anos


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília


Pauline Kael (pronuncia-se "quêiul"), a mais importante crítica de cinema dos EUA neste século, que chega hoje aos 80 anos de idade, começou sua carreira em 1953, surpreendentemente tarde.
A maioria dos críticos se aventura na profissão mal saída dos primeiros filmes que vê. Apesar de ter começado na atividade já madura, ela se transformou, na expressão de seu editor na revista "The New Yorker", William Shawn, numa "cinemateca ambulante".
"É improvável que alguém no mundo tenha escrito sobre mais filmes do que ela. Também é improvável que alguém no mundo carregue na cabeça mais informações sobre filmes do que ela", dizia Shawn.
É lendária sua capacidade de lembrar e descrever cenas, sequências, imagens, efeitos, gestos de atores. Mas, ainda segundo Shawn, isso é apenas o ponto de partida para avaliar Pauline Kael.
Eloquente, apaixonada, original, dona de estilo claro, ao mesmo tempo conciso e completo, suas opiniões foram tão importantes para cineastas e atores que seus textos influenciaram a própria evolução da arte cinematográfica na segunda metade do século.
Ainda vai se estudar como as críticas de Kael alteraram a concepção e a realização de artistas importantes. Quando isso ocorrer, com certeza se verificará que sua contribuição para a melhoria de muitos deles não foi pequena.
Até os 34 anos, Kael, filha de imigrantes poloneses estabelecidos na Califórnia (Costa Oeste dos EUA), estudou filosofia, trabalhou como cozinheira, costureira, balconista de livraria e editora de livros, casou-se e teve uma filha, Gina.
Sua primeira crítica foi publicada em 1953, numa publicação de pequena circulação em Boston, Massachusetts (Costa Leste do país). Depois, escreveu para revistas mais acadêmicas ou profissionais do que de grande público.
A experiência inicial com uma publicação de circulação nacional foi frustrante: Kael foi demitida da "McCall's" depois de ter arrasado sem piedade o imensamente popular "A Noviça Rebelde" (primeiro filme em 26 anos a quebrar os recordes de bilheteria de "...E o Vento Levou", Oscar de melhor filme e melhor diretor de 1965).
"Nós nos tornamos idiotas emocionais e estéticos quando nos ouvimos cantarolando essas músicas doentiamente melosas", escreveu Kael sobre as canções de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein.
A passagem pela "McCall's" deu visibilidade a Kael. Pouco tempo depois de sua demissão, viria a oferta de Shawn para o feliz casamento que teria durante décadas com a revista "The New Yorker".
A publicação, que até pouco tempo fazia jus ao seu slogan publicitário ("provavelmente a melhor revista do mundo"), lhe ofereceu a independência e o espaço que o talento ensaístico e a liberdade de espírito de Kael exigiam.
"O leitor está sempre no meu processo de raciocínio" foi o mote do trabalho de Kael na "The New Yorker". A "objetividade palerma" era o seu principal inimigo, dizia.
Além de sua colaboração semanal na "The New Yorker" (leia mais sobre a publicação em texto ao lado), Kael escreveu vários livros, alguns com compilação de suas resenhas e outros monotemáticos.
Aposentada de empregos fixos a partir de 1991, ela continuou a escrever eventualmente para publicações importantes e a compilar seus escritos para coletâneas.
Kael vive numa casa de pedra, lotada de livros, nas montanhas Berkshire, em Great Barrignton, no interior de Massachusetts.
Sofre do mal de Parkinson em estágio moderado, teve meningite no final do ano passado, mas seu estado geral de saúde é bom.
Sua memória não é tão prodigiosa como na descrição de Shawn, mas ela tem se dedicado a escrever a autobiografia. Além disso, não se recusa a atender jovens cineastas que querem ouvir a opinião de "Lady Kael" sobre seus filmes.
Alguns, como Wes Anderson, diretor de uma comédia chamada "Rushmore", que está sendo lançada este ano nos EUA, dão graças a Deus por Kael não estar mais na ativa: ela os teria destruído, como o próprio Anderson reconheceu após tê-la visitado e lhe ter mostrado o filme. Mesmo assim, o jovem Anderson aprendeu com Kael. Como muitos antecessores.


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