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"Leitores eram travados"
da Sucursal de Brasília
"Eu tive sorte: escrevi sobre filmes num grande período e escrevi sobre eles para um grande
público, na "New Yorker". Foi o
melhor emprego do mundo."
Pauline Kael teve de 1967 a
1991 um caso de amor correspondido com a revista de maior
prestígio entre intelectuais norte-americanos nas últimas cinco
décadas.
"The New Yorker" continua
excelente. Mas mudou muito
nos últimos anos, desde que
seus proprietários, do grupo Newhouse-Condé Nast, resolveram fazer com que ela gerasse
mais lucros, preocupação que
não estava entre as prioridades
de William Shawn, que dizia:
"Nós fazemos a revista para nós
mesmos e esperamos que (os
leitores) sejam gente como nós e
a achem interessante e útil".
A colaboração de Kael com a
revista era dividida em duas: os
longos ensaios, que a tornaram
célebre, e as curtas notas para a
famosa seção "Goings On About
Town", anônimas (há poucos
anos, elas passaram a ser assinadas; no tempo de Shawn, alguns
dos maiores intelectuais do país
as escreviam anonimamente).
O público da revista se divertia
com Kael. Mesmo quando ela
usava três ou quatro páginas escrevendo sobre filmes de terceira categoria, que os leitores provavelmente nunca veriam. Aí, o
que importava era o estilo.
Noutras ocasiões, ela os escandalizava. Como, em 1972, quando decretou: "A data da estréia
de "O Último Tango em Paris"
deve ser um marco na história
do cinema comparável ao que 29
de maio de 1913, estréia de "A Sagração da Primavera", representa para a história da música". "O
Último Tango", de Bernardo
Bertolucci, horrorizara conservadores em todo o mundo por
uma célebre cena de sodomia.
Com a carta branca que tinha
de Shawn, Kael não fazia concessões. "Amargo Regresso"
(1978), o drama de Hal Ashby
sobre veteranos da Guerra do
Vietnã, foi chamado por ela de
"extremamente ingênuo e provavelmente desonesto".
"Levou muito tempo até que o
tom de meu texto, direto, coloquial, fosse aceito por alguns leitores da "The New Yorker". Alguns eram realmente travados.
Se eu dizia que tinha saído no
meio de um filme de Fellini ou
de uma peça de Pinter, eles me
escreviam para dizer que era minha obrigação assistir de novo,
até o fim, antes de escrever a respeito dos trabalhos."
A relação amor-ódio entre
Kael e parte dos leitores da revista era muito evidente. "Talvez meu estilo de conversa simples lhes tenha imposto uma relação com a revista mais íntima
do que estavam acostumados.
Muitos passaram a sentir prazer
no ódio que tinham por mim.
Duvido que algum outro crítico
de cinema tenha tido leitores tão
exuberantes, exigentes, como os
meus", diria ela já aposentada.
As cartas que Kael recebia dos
leitores, segundo sua avaliação
posterior, a ajudavam a enxergar nos filmes aspectos que lhe
haviam passado despercebidos
e enriqueciam as resenhas reescritas para publicação em livros.
No prefácio de seu mais recente livro, "For Keeps - 30 Years at
the Movies", Kael homenageia
os editores da "The New Yorker" pelo que lhe ensinaram nos
primeiros anos na revista, ao
discutirem exaustivamente seus
textos.
(CELS)
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