São Paulo, Sábado, 19 de Junho de 1999
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"Leitores eram travados"

da Sucursal de Brasília

"Eu tive sorte: escrevi sobre filmes num grande período e escrevi sobre eles para um grande público, na "New Yorker". Foi o melhor emprego do mundo."
Pauline Kael teve de 1967 a 1991 um caso de amor correspondido com a revista de maior prestígio entre intelectuais norte-americanos nas últimas cinco décadas.
"The New Yorker" continua excelente. Mas mudou muito nos últimos anos, desde que seus proprietários, do grupo Newhouse-Condé Nast, resolveram fazer com que ela gerasse mais lucros, preocupação que não estava entre as prioridades de William Shawn, que dizia: "Nós fazemos a revista para nós mesmos e esperamos que (os leitores) sejam gente como nós e a achem interessante e útil".
A colaboração de Kael com a revista era dividida em duas: os longos ensaios, que a tornaram célebre, e as curtas notas para a famosa seção "Goings On About Town", anônimas (há poucos anos, elas passaram a ser assinadas; no tempo de Shawn, alguns dos maiores intelectuais do país as escreviam anonimamente).
O público da revista se divertia com Kael. Mesmo quando ela usava três ou quatro páginas escrevendo sobre filmes de terceira categoria, que os leitores provavelmente nunca veriam. Aí, o que importava era o estilo.
Noutras ocasiões, ela os escandalizava. Como, em 1972, quando decretou: "A data da estréia de "O Último Tango em Paris" deve ser um marco na história do cinema comparável ao que 29 de maio de 1913, estréia de "A Sagração da Primavera", representa para a história da música". "O Último Tango", de Bernardo Bertolucci, horrorizara conservadores em todo o mundo por uma célebre cena de sodomia.
Com a carta branca que tinha de Shawn, Kael não fazia concessões. "Amargo Regresso" (1978), o drama de Hal Ashby sobre veteranos da Guerra do Vietnã, foi chamado por ela de "extremamente ingênuo e provavelmente desonesto".
"Levou muito tempo até que o tom de meu texto, direto, coloquial, fosse aceito por alguns leitores da "The New Yorker". Alguns eram realmente travados. Se eu dizia que tinha saído no meio de um filme de Fellini ou de uma peça de Pinter, eles me escreviam para dizer que era minha obrigação assistir de novo, até o fim, antes de escrever a respeito dos trabalhos."
A relação amor-ódio entre Kael e parte dos leitores da revista era muito evidente. "Talvez meu estilo de conversa simples lhes tenha imposto uma relação com a revista mais íntima do que estavam acostumados. Muitos passaram a sentir prazer no ódio que tinham por mim. Duvido que algum outro crítico de cinema tenha tido leitores tão exuberantes, exigentes, como os meus", diria ela já aposentada.
As cartas que Kael recebia dos leitores, segundo sua avaliação posterior, a ajudavam a enxergar nos filmes aspectos que lhe haviam passado despercebidos e enriqueciam as resenhas reescritas para publicação em livros.
No prefácio de seu mais recente livro, "For Keeps - 30 Years at the Movies", Kael homenageia os editores da "The New Yorker" pelo que lhe ensinaram nos primeiros anos na revista, ao discutirem exaustivamente seus textos. (CELS)

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