São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

Em "O Escorpião de Jade", ambientado nos anos 40, cineasta assume de novo o vaudeville hollywoodiano

Woody em transe

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Mais surpreendentes do que a aparição de Woody Allen no Festival de Cannes deste ano foram as farpas que soltou, na coletiva de imprensa realizada a propósito do lançamento de "Hollywood Ending" (obra ainda inédita no país), contra os cinéfilos que vivem da eterna nostalgia da velha Hollywood. "Não se deve mistificar a "idade de ouro" do cinema americano, dos anos 30 e 40, quando há obras-primas muito raras comparadas aos filmes realizados no período", dizia ele.
A contradição não estava apenas no fato de Allen ser, ele próprio, um incurável nostálgico, como prova boa parte de sua obra, a exemplo deste "O Escorpião de Jade". A contradição também está no fato de o vaudeville hollywoodiano, gênero que não foi muito profícuo em obras-primas, mas que representa, como poucos, o espírito daquela época, ser o alvo principal da nostalgia de Allen.
Passada a pretensiosa fase bergmaniana dos anos 70/80, superada (não sem sequelas) a febre felliniana, Allen recupera, pouco a pouco, a despretensão de sua proposta original: ser um herdeiro de Groucho Marx e Bob Hope na tradição do vaudeville americano.
"O Escorpião de Jade" está mais para Hope do que para Marx. É como se uma velha estrela do vaudeville protagonizasse um filme noir: o argumento é pífio, as situações não convencem muito, mas a presença e as tiradas de Allen seguram. E, afinal de contas, não vamos ao cinema senão para vê-lo -sua arte, aliás, reside um pouco nesse talento para, mesmo nos momentos de menor inspiração, não nos desencorajar a ver um próximo filme seu.
Allen é o investigador de uma companhia de seguros (personagem típico do noir) que, na Nova York dos anos 40, vê-se às voltas com uma série de roubos de jóias e com a competição de uma nova colega de firma (Helen Hunt).
Allen envelheceu mais do que a sua persona cinematográfica. Aos que ainda acham um constrangimento ver, em "O Escorpião de Jade", um senhor de 65 anos às voltas com moças de 20 e 30 anos, Allen responde com uma vitalidade insuspeita e a velha auto-ironia. Desnecessário dizer que Allan Stewart Konigsberg (seu verdadeiro nome) continua a ser a melhor versão de Woody Allen.


O Escorpião de Jade
The Curse of the Jade Scorpion    
Direção: Woody Allen
Produção: EUA/Alemanha, 2001
Com: Woody Allen
Quando: a partir de hoje nos cines Belas Artes, Cinearte, Jardim Sul e circuito



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