São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 2002

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"Quis um filme em que o inconsciente fosse cenário"

JEAN-MICHEL FRODON
DO "LE MONDE"

"O inconsciente é um território cheio de contradições, misterioso", diz Woody Allen. Leia abaixo trechos da entrevista em que o diretor comenta o "cenário" de seu mais recente filme no Brasil, "O Escorpião de Jade".

Pergunta - Por que você situou "O Escorpião de Jade" nos anos 40?
Woody Allen -
Sempre tive vontade de fazer um filme no estilo daqueles que eram populares quando era jovem. Toda semana, o cinema da esquina apresentava um novo filme do gênero, com uma intriga criminal misturada à história de um homem e de uma mulher que se detestam, com diálogos rápidos e sofisticados.

Pergunta - Originalmente o seu personagem era um policial. Por que se tornou agente de seguros?
Allen -
Não posso interpretar um tira, você sabe (ele estremece e coloca em evidência seu porte). Queria trabalhar menos como ator, para me dedicar mais à direção. Mas voltarei a desempenhar o papel principal no meu novo filme, "Hollywood Ending". Não teria como escapar a isso: um cineasta nova-iorquino neurótico enfrentando a indústria do cinema de entretenimento.

Pergunta - O filme retoma uma oposição que lhe é cara entre o intelecto e o instinto, sempre vencida pelo segundo.
Allen -
Na criação, prefiro apostar no instinto, mesmo que ele não vença sempre, do que em uma reflexão que semeia armadilhas e na qual me deixo manipular por elementos exteriores.

Pergunta - Isso ocorre no filme?
Allen -
O personagem interpretado por Helen Hunt parece muito reflexivo, mas há algo mais lá, algo mais profundo, nascido do medo que ela sente. O inconsciente é um território cheio de contradições, misterioso. A psicanálise permite um mergulho em si mesmo, para que a pessoa entre em contato com seu inconsciente, mas, quando se chega ao fundo, é algo duro e complexo, o substrato rochoso de uma personalidade. Tentamos escavar, mas ele resiste. Sempre quis fazer um filme situado no inconsciente, em que o inconsciente fosse o cenário.

Pergunta - "Neblina e Sombras" não se passava no inconsciente?
Allen -
Sim, por certo, mas se tratava acima de tudo do inconsciente do século 20 e do inconsciente do cinema também. Queria representar o inconsciente de uma pessoa, o que é complicado no plano visual. A sequência de sonhos criada por Dali para a "A Casa do Dr. Edwards", de Hitchcock, é muito artificial. Eu prefiro o sonho filmado por Buñuel em "Los Olvidados", muito orgânico, em simbiose com o resto do filme.


Tradução Paulo Migliacci


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