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Escritor Guillermo Cabrera Infante faz declaração de amor ao charuto
Cortina de fumaça
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Depois de passar décadas produzindo uma das melhores literaturas do mundo, Guillermo Cabrera Infante chegou a uma conclusão taxativa. Nada é pior do
que um verso ruim -com exceção de um charuto ruim.
Assim, quando a revista "New
Yorker" lhe encomendou nos
anos 80 um ensaio sobre os havanas, o escritor ficou, nas suas próprias palavras, "em chamas".
O cubano, auto-exilado em
Londres desde a década de 60,
acendeu um charuto e "mandou
brasa". Escreveu, fumou, escreveu, fumou, escreveu e chegou a
uma pilha tão grande de páginas
que nem o periódico nova-iorquino, que publica alguns dos maiores artigos da imprensa mundial,
conseguiu acolher seus rabiscos.
Uns nove meses depois, pesando 420 páginas, nasceria "Holy
Smoke" (Santa Fumaça), primeira livro em inglês de Infante.
Obra sem paralelos na "charutologia" mundial, e que pode ser
tragada com grande prazer pelos
não charuteiros (ops, tragada
não; "charutos não devem ser tragados nunca, jamais!"), agora
chega ao português.
Batizado como "Fumaça Pura"
(tradução da versão espanhola,
"Puro Humo"), este ensaio-almanaque-memórias do universo da
fumaça (que Infante define, não
sem razão, como "uma crônica
erudita, mas divertida, da relação
entre o charuto e o cinema") será
lançado pela Bertrand Brasil no
próximo dia 28.
Vencedor do Prêmio Cervantes
1997 e autor de clássicos da literatura latino-americana como
"Três Tristes Tigres", Cabrera Infante, hoje com 74 anos, falou
com a Folha a respeito.
Folha - "Fumaça Pura" é uma declaração de amor ao charuto e ao
cinema. Nele o sr. afirma: "Fumar
não é precisamente escrever. Os
charutos, de fato, são como o cinema". Por quê?
Guillermo Cabrera Infante - Fumar é um prazer, escrever se converte depois de muitos anos em
um dever. É uma enorme diferença. Fumar é consumir algo que está feito para fumar. Escrever é inventar. O cinema é um fenômeno
narrativo curioso. É superior à literatura. Não é um romance, mas
narra como um romance. Não é
uma coleção de pinturas e fotografias, mas contém também fotografias e pinturas. O cinema é a
invenção do século 20.
Folha - Além de falar sobre a relação do charuto com o cinema, o sr.
menciona em "Fumaça Pura" dezenas de grandes personalidades
amigas da fumaça, de Karl Marx a
Groucho Marx. Por que o sr. não
trata de charuteiros ilustres vivos?
Infante - Não existem mais grandes personalidades fumando charutos. Isso foi resultado das patrulhas recentes contra o cigarro, que
acabaram prejudicando o charuto também. E os dois não têm nada que ver. Não há nada pior do
que fumar charutos como se fossem cigarros, o que Fidel fazia.
Folha - O descobridor do tabaco,
Rodrigo de Xeres, teria sido queimado vivo quando visto fumando,
por acharem tratar-se de bruxaria.
Sob esse ponto de vista, esse atacado patrulhamento dos fumantes
está bem mais leve, não?
Infante - (risos) Ah, sim, antes a
coisa era bem pior. Na Turquia
cortavam os narizes de quem fumava. Na Rússia havia represálias
muito cruéis. O rei da Inglaterra
Jacob 1º escreveu um manifesto
de 50 páginas contra o tabaco.
Folha - O sr. é um dos críticos mais
ferozes de Fidel Castro, mas vem
consumindo nessas décadas de exílio quantidades industriais de uma
das principais fontes de renda do
país, seus charutos. O sr. não é "patrulhado" por isso?
Infante - Parei de comprar os
charutos cubanos recentemente.
Depois que "Fumaça Pura" saiu
na Espanha, tenho recebido centenas de caixas de amigos e leitores. Só tenho fumado destes.
Além disso, minha família tem
uma fábrica de charutos em Miami, a Sosa, e me mandam sempre.
Folha - O "embargo" do sr. foi inspirado no de Sartre, que, como o sr.
conta, deixou de consumir charutos cubanos ao romper com Fidel?
Infante - Claro que parei de
comprar os "habanos" unicamente por questões políticas.
Mesmo com Fidel, eles continuam, de longe, os melhores do
mundo. Agora tenho preferido
fumar os da República Dominicana, não tão bons, mas livres.
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