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São Paulo, sábado, 19 de julho de 2003

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LITERATURA

Escritor uruguaio, que lança 3º volume dos poemas completos, fala sobre guerra, velhice e verdades da poesia

Benedetti prega "religião da consciência"

Ruben Digilio/"Clarín"
O escritor uruguaio Mario Benedetti, que lança o terceiro volume de suas poesias, "Inventario 3: 1995-2002', e um novo livro


DO "EL PAÍS"

Em sua casa no bairro de Prosperidad, em Madri, acompanhado pela inseparável Luz, Mario Benedetti fala de política, poesia, velhice, infância, morte e futebol.
Crítico e lúcido, com o habitual toque de tristeza e humor no olhar e nas palavras, Benedetti segue, aos 83 anos, em plena atividade e sucesso profissional.
Após escrever quase 80 livros e frequentar todos os gêneros (romance, jornalismo, contos, poesia, ensaios, teatro), o autor uruguaio lançou o terceiro volume de suas poesias completas ("Inventario 3: 1995-2002"), acaba de publicar um novo livro de poemas ("Insomnios y Duermevelas") e tem mais um título no prelo, "Existir Todavía". No final do ano publicará os contos de "El Porvenir de Mi Pasado". A seguir, trechos de sua entrevista.
 

Pergunta - Sua poesia parece mais triste do que no passado.
Mario Benedetti -
Depois dos 80 anos, já não se é tão ágil, a proximidade da morte preocupa, e isso é visível. Os poemas são mais existenciais: sobre a morte, o amor, a solidariedade, mas alguns continuam a ter coloração política.

Pergunta - A proximidade da morte o angustia muito?
Benedetti -
Admito a angústia que sinto por mim mesmo; sei que todos devemos morrer. O que mais me angustia é que a humanidade caminha para o suicídio e me preocupa mais a morte da humanidade do que a minha.

Pergunta - Essa sensação se acentuou recentemente?
Benedetti -
Sim, por causa da globalização e das novas guerras, em que religião está envolvida.

Pergunta - O que o senhor acha das ações do governo espanhol?
Benedetti -
De total hipocrisia. Todos sabiam que o Iraque não tinha essas armas, teoricamente o motivo da invasão, mas mesmo assim a executaram. Doeu-me muito que a Espanha apoiasse Bush assim. Sempre me senti muito próximo da Espanha, onde vivi por boa parte de meus exílios.

Pergunta - Por que o senhor tem escrito tanta poesia ultimamente?
Benedetti -
Sinto-me mais cômodo, sou mais eu mesmo. A poesia é o gênero no qual o escritor intervém com sua vida. Os outros gêneros são ficção; a poesia, não. No meu caso, isso fica muito evidente, o que não quer dizer que não haja fragmentos reais na minha narrativa, dos quais invento coisas. Na poesia, o que se inventa é a forma, se adota uma ou outra forma para dizer a verdade. Às vezes o soneto funciona melhor, às vezes o verso livre.

Pergunta - Mas quem escreve é o eu ou o escritor?
Benedetti -
Há poemas que defendem o eu; outros o criticam.

Pergunta - Um poema seu define poesia como "o sótão das almas". A poesia é uma religião laica?
Benedetti -
Não para todos os leigos. No meu caso, nada está próximo da religião. Devo ser uma das pessoas menos religiosas do mundo. A única religião que tem valor para mim é a consciência. A poesia tem forte vínculo com a consciência.

Pergunta - Será esse o segredo de seu sucesso como poeta e letrista?
Benedetti -
Os leitores de poesia, como os autores, também se sentem tocados em suas vidas. E se a linguagem é fácil e clara, mais ainda. As letras de canções são outra coisa, com outras leis e rigores.

Pergunta - Sua popularidade entre os jovens quer dizer que o senhor continua jovem?
Benedetti -
Às vezes, em uma leitura, no público vejo avôs, filhos e netos. Isso me faz feliz, porque os jovens me estimulam muito.

Pergunta - É verdade que a velhice é um caminho para a infância?
Benedetti -
Há coisa que a gente passa na infância e nunca esquece, e às vezes elas surgem em um poema. Escrevi um, até, chamado "Feto", falando de um menino antes de nascer.

Pergunta - O senhor se arrepende de algum de seus 80 livros?
Benedetti -
Sim, um de poesia, do começo, eu nunca incluo nas antologias. Logo me tornei mais exigente comigo mesmo.

Pergunta - O futebol ainda o agrada?
Benedetti -
Sim, mas não vou ao estádio porque a violência é imensa. O futebol se converteu em um negócio; deixou de ser um jogo apaixonado. Quando eu era jovem os jogadores ganhavam muito mal. Lembro-me de que quando um jogador do Nacional se aposentou, os torcedores se cotizaram para lhe pagar uma casinha. O futebol deu uma identidade ao meu país, ganhamos dois títulos mundiais e dois olímpicos. O "Maracanaço" [dia da vitória contra o Brasil, no Rio, na final da Copa de 50] é o dia da pátria.


Tradução Paulo Migliacci

INVENTARIO 3: 1995-2002. Autor: Mario Benedetti. Editora: Visor Libros (importado). Quanto: 15 (644 págs).

INSOMNIOS Y DUERMEVELAS. Autor: Mario Benedetti. Editora: Visor Libros (importado). Quanto: 8 (132 págs.). P/ encomendar: www.casadellibro.com; www.livcultura.com.br.



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