São Paulo, Segunda-feira, 19 de Julho de 1999
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ARTES PLÁSTICAS
Museu abre mostra de arte contemporânea "Abracadabra'; brasileiro Vik Muniz também expõe
Galeria inglesa pendura cavalo no teto

France Presse
Visitantes observam cavalo empalhado pendurado no teto da Tate Gallery, em Londres


PAULO VIEIRA
especial para a Folha, em Londres

A história se repete, como truque. Dois anos depois de o inglês Damien Hirst envidraçar um tubarão e seccionar vacas na Royal Academy of Art, em Londres, animais aparentemente maltratados voltam a chamar a atenção da mídia e do público inglês interessado no que se convencionou chamar arte contemporânea.
Desta vez, por culpa de um italiano, o ex-cozinheiro, ex-enfermeiro, ex-funcionário de agência funerária e ex-jardineiro Maurizio Cattelan. Ele pendurou um cavalo empalhado no teto do domo principal da respeitada Tate Gallery. Talvez não tencionasse, mas, com isso, o artista granjeou espaço em jornais em quantidade com a qual os publicistas da Tate jamais sonhariam.
Foi mais do que a galeria precisava para garantir a bilheteria do verão, época do ano em que Londres parece gostar de exibir sua escatologia.
Seu esquilo morto não ficou atrás. Ao pé de uma mesinha, tendo ao lado uma automática e um copo vazio, o que nos faz pensar em suicídio, "Bidibidobidiboo" foi também o "talk of the town" da semana.

Abracadabra
Mas Cattelan é apenas um dentre 15 artistas, entre eles o brasileiro Vik Muniz, que integram a coletiva "Abracadabra", que a Tate abriu na semana passada e leva até o fim de setembro.
Catherine Kinley, uma das curadoras, imaginou "Abracadabra" como uma mostra que abre uma "área comum" entre artistas e espectadores, na qual a comunicação é "direta, autêntica, informal e intercambiável".
À mídia inglesa, a definição não interessou muito. Repórteres perseguiam a curadora com perguntas em que a palavra "escândalo" era denominador comum. Ela replicava com outros substantivos: "humor", "truque".
Truques que funcionam, embora já vistos. Cattelan, apesar de não ter idade para ter ido a uma exposição de Jannis Kounellis, em Roma, em 1969, sabia que o grego havia colocado cavalos numa galeria, e, em outra ocasião, um papagaio. (Mas não sabia que Nelson Leirner expôs um porco de dimensões assustadoras na década de 60, no Brasil).
No entanto, mais do que querer chocar o público com seus animais desesperados, o italiano se diz, ele mesmo, amargurado. "Muitas das minhas obras são bastante depressivas, mas eu também me sinto humilhado. No fim do dia, a única pessoa realmente ridícula sou eu", disse Cattelan.
A amargura é filha direta do dia-a-dia dos artistas, e esse parece ser, mais do que qualquer interesse em taxidermia, o tema principal da exposição.
Os artistas, que, com uma ou duas exceções, têm entre 30 e 40 anos, definitivamente emanam uma necessidade de devassar seu próprio cotidiano.
O francês Pierrick Sorin, conhecido de quem esteve na última Bienal de São Paulo, volta com seus pequenos filmes em que aparece preparando seu café da manhã, ou que mostram sua atual dificuldade com a leitura; a francesa Marie-Ange Guilleminot expõe vestidos que moldou para seu corpo; a alemã Brigitte Zieger apresenta-se, em vídeo, olhando-se ao espelho.
O inglês Paul Noble propõe jogos para pessoas desempregadas em que os personagens têm nomes como "sem objetivos" ou "distraído"; o belga Eric Duyckaerts, graduado em filosofia, também com a ajuda do vídeo, passa o tempo a mostrar a implausibilidade do desenho de um quadrado, com explicações explicitamente picaretas.
Simon Wilson, outro curador da Tate, talvez com um senso de proporção mais apurado, desvendou o sentido mercadológico da mostra: "A mostra é para crianças de todas as idades. Ela representa um novo espírito da arte contemporânea, com fantasia, humor, invenção e provocação aplicada ao mundo cotidiano."


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