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São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 2003

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LITERATURA

Em "Caveira 41", poeta paraense radicado na Áustria revê trajetória em poemas escritos entre 1991 e 2000

Age de Carvalho esculpe novas elipses

ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Age de Carvalho, 44, é um nome que pouco se ouve quando se fala na literatura nacional. Talvez isso se deva à discrição do poeta, talvez à dificuldade na classificação de sua poesia, que escapa às escolas literárias que normalmente enquadram os escritores.
Mas a distância que esse paraense que mora na Áustria, e que está desde o início dos anos 80 fora do Brasil, mantém do burburinho literário só faz aumentar o efeito de um livro como "Caveira 41", seu primeiro volume desde "Móbiles", de 1998, em parceria com Augusto Massi, e do compêndio "Ror (1980-1990)", publicado pela Livraria Duas Cidades em 1990 como parte da coleção Claro Enigma.
Essa reunião de textos produzidos entre 1991 e 2000 que a Cosac & Naify e a 7Letras lançam agora coroa o caminho de refinamento linguístico empreendido pelo autor. Dos versos longos que inauguraram sua poesia em "Arquitetura dos Ossos" (1980), restaram as palavras e as sílabas que são lapidadas para compor, neste "Caveira 41", como que esculturas nas quais predominam as elipses.
As sugestões criadas delicadamente pelos textos são quase como blocos de palavras que precisam ser decifrados, escavados. Parte da dificuldade da poesia de Carvalho está relacionada à particularidade de seu universo.
"Os meus livros não obedecem a rigor nenhum plano, senão o de responderem a um determinado momento da minha vida, o que quer dizer: minhas leituras, minhas inquietações estéticas e espirituais, as amizades que me acompanham, a família, lugares visitados, a permanente realidade da morte. Talvez os meus últimos livros sejam aqueles mais fiéis à minha experiência vivida. Quando a qualidade da Pergunta, a cada livro mais refinada e simples, se torna mais importante que a Resposta, que, afinal, nunca teremos", diz o autor, que é formado em arquitetura e trabalha como designer gráfico.
As esfinges construídas pelo poeta captam a literatura e seu momento atuais transgredindo o fazer literário comedido: "Se a poesia hoje quer voltar às catacumbas e à transgressão de outrora, atestando o cansaço das formas poéticas existentes, é porque aqui fora algo está errado. Muita conversa fiada, muitos poetas (ou gente que assim insiste em ser chamada), muita facilidade em publicar, poucos trabalhos realmente interessantes. A poesia sempre foi campo para a experimentação e o aprendizado a um nível, digamos, superior".
Curiosamente, a liberdade das experiências parece se alimentar da língua estrangeira na qual o escritor está imerso, atuando como diretor de arte de revistas da Alemanha e da Áustria.
"Ouço muito pouco o português no dia-a-dia, está claro, mas não estou alheio à minha língua. Muitas vezes o contato com o idioma estranho pode instrumentar o nativo à inovação, seja através de uma sintaxe extravagante, seja por neologismos ou a descoberta de parentesco longínquo de duas matrizes distintas", diz.
A primeira coleção de poemas de Carvalho, que, aos 16, 17 anos, começava a cansar-se dos limites que as letras de músicas ofereciam, foi feita para participar de um concurso em Belém (PA), cujo prêmio seria a publicação de um livro com os versos.
"Não lembro quando me tornei poeta, sei apenas que escrevia umas coisas que já não se ajustavam mais como letra de música tampouco como narrativa ou algo próximo à prosa. Lia pouco e sentia muito, o que definitivamente não bastava. Foi quando reuni esses escritos e conformei-os em livro para participar de um concurso literário. Havia um corpo de jurados e a mim coube, por sorte, ser apreciado pelo [crítico] Benedito Nunes, que por sua vez já ouvira falar de mim através do professor Francisco Paulo Mendes, morto há pouco, leitor desses originais em primeira mão", afirma o autor.
Depois do prêmio, veio o encontro e a parceria com o poeta Max Martins, hoje com 77 anos, com o qual escreveu "A Fala entre Parêntesis" (1982). "[Martins] é um gigante, um grande poeta e um mestre, como sempre gostei de reconhecê-lo. O mercado editorial (leia-se São Paulo e Rio) deve-lhe ainda a devida atenção e o merecido reconhecimento."
Mais do que um amigo e parceiro, Martins parece ser uma das poucas influências declaradas, além da de Carlos Drummond de Andrade, sobre a obra de Carvalho. "Digo que sigo fiel a certas convicções partilhadas com Martins há mais de 20 anos e a uma dúvida fraternal que expusemos em forma de epígrafe no livro que escrevemos juntos: "Eu era dois, diversos?", dístico retirado do "Grande Sertão: Veredas" para dar sombra a nossa amizade. E, mais recentemente, encontrei no poeta e amigo André Vallias a discussão inteligente e bem-humorada dos grandes companheiros que criam em campos diversos."
A admiração pelo poeta Martins fez com que Carvalho dedicasse a ele a quinta parte de "Caveira 41", embora não expressamente, como nada nesse livro, a começar por seu título.
"O poema que dá título ao livro é emblemático e hoje, o volume pronto, tenho "Caveira 41" como um auto-retrato: ali vejo a condição do poeta desde sempre, acossado, falando para todos e ninguém, pagando a crédito a sua entrada no Inferno (que é a linguagem), escravo da escrita, mico atração de circo à margem das decisões, estrangeiro no mundo."


CAVEIRA 41. De: Age de Carvalho. Co-edição: Cosac & Naify e 7Letras. Quanto: R$ 17 (112 págs.).


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