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LITERATURA
Em "Caveira 41", poeta paraense radicado na Áustria revê trajetória em poemas escritos entre 1991 e 2000
Age de Carvalho esculpe novas elipses
ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Age de Carvalho, 44, é um nome
que pouco se ouve quando se fala
na literatura nacional. Talvez isso
se deva à discrição do poeta, talvez à dificuldade na classificação
de sua poesia, que escapa às escolas literárias que normalmente
enquadram os escritores.
Mas a distância que esse paraense que mora na Áustria, e que
está desde o início dos anos 80 fora do Brasil, mantém do burburinho literário só faz aumentar o
efeito de um livro como "Caveira
41", seu primeiro volume desde
"Móbiles", de 1998, em parceria
com Augusto Massi, e do compêndio "Ror (1980-1990)", publicado pela Livraria Duas Cidades
em 1990 como parte da coleção
Claro Enigma.
Essa reunião de textos produzidos entre 1991 e 2000 que a Cosac
& Naify e a 7Letras lançam agora
coroa o caminho de refinamento
linguístico empreendido pelo autor. Dos versos longos que inauguraram sua poesia em "Arquitetura dos Ossos" (1980), restaram
as palavras e as sílabas que são lapidadas para compor, neste "Caveira 41", como que esculturas nas
quais predominam as elipses.
As sugestões criadas delicadamente pelos textos são quase como blocos de palavras que precisam ser decifrados, escavados.
Parte da dificuldade da poesia de
Carvalho está relacionada à particularidade de seu universo.
"Os meus livros não obedecem
a rigor nenhum plano, senão o de
responderem a um determinado
momento da minha vida, o que
quer dizer: minhas leituras, minhas inquietações estéticas e espirituais, as amizades que me
acompanham, a família, lugares
visitados, a permanente realidade
da morte. Talvez os meus últimos
livros sejam aqueles mais fiéis à
minha experiência vivida. Quando a qualidade da Pergunta, a cada livro mais refinada e simples,
se torna mais importante que a
Resposta, que, afinal, nunca teremos", diz o autor, que é formado
em arquitetura e trabalha como
designer gráfico.
As esfinges construídas pelo
poeta captam a literatura e seu
momento atuais transgredindo o
fazer literário comedido: "Se a
poesia hoje quer voltar às catacumbas e à transgressão de outrora, atestando o cansaço das formas poéticas existentes, é porque
aqui fora algo está errado. Muita
conversa fiada, muitos poetas (ou
gente que assim insiste em ser
chamada), muita facilidade em
publicar, poucos trabalhos realmente interessantes. A poesia
sempre foi campo para a experimentação e o aprendizado a um
nível, digamos, superior".
Curiosamente, a liberdade das
experiências parece se alimentar
da língua estrangeira na qual o escritor está imerso, atuando como
diretor de arte de revistas da Alemanha e da Áustria.
"Ouço muito pouco o português no dia-a-dia, está claro, mas
não estou alheio à minha língua.
Muitas vezes o contato com o
idioma estranho pode instrumentar o nativo à inovação, seja através de uma sintaxe extravagante,
seja por neologismos ou a descoberta de parentesco longínquo de
duas matrizes distintas", diz.
A primeira coleção de poemas
de Carvalho, que, aos 16, 17 anos,
começava a cansar-se dos limites
que as letras de músicas ofereciam, foi feita para participar de
um concurso em Belém (PA), cujo prêmio seria a publicação de
um livro com os versos.
"Não lembro quando me tornei
poeta, sei apenas que escrevia
umas coisas que já não se ajustavam mais como letra de música
tampouco como narrativa ou algo
próximo à prosa. Lia pouco e sentia muito, o que definitivamente
não bastava. Foi quando reuni esses escritos e conformei-os em livro para participar de um concurso literário. Havia um corpo de jurados e a mim coube, por sorte,
ser apreciado pelo [crítico] Benedito Nunes, que por sua vez já ouvira falar de mim através do professor Francisco Paulo Mendes,
morto há pouco, leitor desses originais em primeira mão", afirma
o autor.
Depois do prêmio, veio o encontro e a parceria com o poeta
Max Martins, hoje com 77 anos,
com o qual escreveu "A Fala entre
Parêntesis" (1982). "[Martins] é
um gigante, um grande poeta e
um mestre, como sempre gostei
de reconhecê-lo. O mercado editorial (leia-se São Paulo e Rio) deve-lhe ainda a devida atenção e o
merecido reconhecimento."
Mais do que um amigo e parceiro, Martins parece ser uma das
poucas influências declaradas,
além da de Carlos Drummond de
Andrade, sobre a obra de Carvalho. "Digo que sigo fiel a certas
convicções partilhadas com Martins há mais de 20 anos e a uma
dúvida fraternal que expusemos
em forma de epígrafe no livro que
escrevemos juntos: "Eu era dois,
diversos?", dístico retirado do
"Grande Sertão: Veredas" para dar
sombra a nossa amizade. E, mais
recentemente, encontrei no poeta
e amigo André Vallias a discussão
inteligente e bem-humorada dos
grandes companheiros que criam
em campos diversos."
A admiração pelo poeta Martins
fez com que Carvalho dedicasse a
ele a quinta parte de "Caveira 41",
embora não expressamente, como nada nesse livro, a começar
por seu título.
"O poema que dá título ao livro
é emblemático e hoje, o volume
pronto, tenho "Caveira 41" como
um auto-retrato: ali vejo a condição do poeta desde sempre, acossado, falando para todos e ninguém, pagando a crédito a sua entrada no Inferno (que é a linguagem), escravo da escrita, mico
atração de circo à margem das decisões, estrangeiro no mundo."
CAVEIRA 41. De: Age de Carvalho. Co-edição: Cosac & Naify e 7Letras. Quanto:
R$ 17 (112 págs.).
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