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LATINOS
Sem diálogos, documentário ganha o público ao apresentar personagens em cenas cotidianas
Filme mostra Havana dos "não- heróis"
DA ENVIADA A GRAMADO
Hábito dos últimos anos, a
competição latina empalideceu
novamente a brasileira no Festival de Gramado. Mais aplaudido
filme até aqui, o longa cubano
"Suite Habana", de Fernando
Perez, roubou a cena na segunda
noite da mostra, anteontem.
Representante do título no festival, a assistente de direção Gloria Maria Cossío preparou a platéia para o encontro com "um
filme estranho", que elegeu retratar, entre "as muitas Havanas
possíveis", aquela dos que "aparentemente não são heróis". A
platéia aceitou o convite.
"Suite Habana" é um documentário sem diálogos, que narra as histórias de seus personagens com uma excepcional
montagem de cenas cotidianas.
Não há nada no filme do retrato
comum aos documentários sobre Cuba: a miséria domesticada
pela inexplicável e contagiante
alegria do povo. "Suite Habana"
é triste, sombrio e, mais do que
tudo, respeitoso com as vidas
que aborda.
Entre um despertar (do garoto
Francisquito) e o adormecer
(dos demais personagens do filme), o que se vê na tela são corpos em movimento, numa repetição das tarefas diárias -limpar, cozinhar, estudar, trabalhar,
contornar a falta de dinheiro,
vendendo amendoins na rua ou
"vigiando" a estátua de John
Lennon, entre outros exemplos.
Pelas bordas da rotina é que se
insinuam as aspirações de todos;
os dotes artísticos de alguns, como o do dublê de pedreiro e bailarino, o do músico que conserta
estradas de ferro; e as "transgressões" de poucos, como a do funcionário de hospital que se traveste em drag queen.
Perto do fim, "Suite Habana"
deixa de lado seus personagens,
para registrar uma ressaca na orla do Malecón. E o diretor parece
encontrar numa literal "água
mole em pedra dura" a tradução
para o instinto de prosseguir, a
despeito de qualquer barreira.
Menos sutil é o recado de
"Araguaya - A Conspiração do
Silêncio", competidor brasileiro
apresentado na mesma noite. O
filme de Ronaldo Duque, que
subiu ao palco carregando uma
bandeira do Brasil, trata da luta
armada de civis contra as forças
do regime militar brasileiro no
fm dos anos 60 e início dos 70, na
região amazônica.
Com início documental -em
depoimentos do atual presidente do PT, José Genoino, e de João
Amazonas (1912-2002), entre
outros-, o filme se desloca sucessivamente para um relato intimista da vida dos guerrilheiros
nos povoados e uma encenação
à drama de guerra de sua luta na
floresta.
O elenco (o transplantado
Northon Nascimento, presente
ao festival, Françoise Forton,
Fernanda Maiorano, Danton
Mello, entre outros) opta por interpretações intensas dos jovens
idealistas. Intensas demais.
A maior excentricidade da
noite, no entanto, ficou com o
curta "Felicidade" (PR), de
Emerson Schmidlin. Sobre duas
rochas no mar, um homem
(Austregésilo Carrano, autor do
livro "Canto dos Malditos", no
qual se baseia o longa "Bicho de
Sete Cabeças", de Laís Bodanzky) e uma mulher (Cristiane Esteves), inteiramente nus,
esbravejam um para o outro um
texto em que discorrem sobre a
imensa, intransponível, insuportável felicidade que sentem.
Este sim é estranho.
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