São Paulo, quinta-feira, 19 de agosto de 2004

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Kouyaté cultiva a escuta para contar histórias

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando você não souber para onde ir, lembre-se de onde você veio. Foi assim, tateando as palavras dos avós, que Sotigui Koyuaté atravessou esses 20 anos de Europa ligado ao Centro Internacional de Criação Teatral (Cict), o grupo de Peter Brook em Paris. Sua África natal é seu norte.
"Tierno Bokar" resulta mais um movimento do eterno retorno. Aquele sábio homem que viveu na República do Mali é justamente conterrâneo de Kouyaté.
Ator de corpo esguio, ele aparenta fragilidade que logo se dissipa em cena, com o andar "sobre nuvens" e o gestual de mãos agigantadas. Ou mesmo sentado à frente de uma platéia que o espreita em silêncio, como numa conferência da semana passada, na Galeria Olido, em São Paulo.
Koyaté, 68, maneja com talento a arte de contar histórias. Além de ator, pois, ele é um "griot", como são chamados os mestres da palavra na tradição africana, eles que também tocam e cantam.
Ex-jogador de futebol, ex-marceneiro, ex-enfermeiro, ex-bancário etc., Koyaté trabalhava em duas companhias malinesas de artes dramáticas quando foi convidado por Brook e Marie-Hélène Estienne, dramaturga do Cict, para participar da montagem do épico "O Mahabharata" (1985).
Conheceu o Brasil em 2000, quando atuou em "Le Costume", em Porto Alegre. Voltou em 2003, com "Hamlet". Deu oficinas em São Paulo e Rio.
"Obrigado por contribuírem para o meu enriquecimento pessoal", disse ele ao público da Galeria Olido, logo na primeira fala. Contou que no Mali há um espaço teatral distinto do mundo ocidental. Trata-se do "koteba" (grande caracol). São três grandes círculos em si mesmos. No primeiro, estão as crianças. No segundo, as mulheres. No terceiro, os homens, a proteger os outros dois. No centro, dá-se a cena.
Atenção e escuta. Quando Brook lhe deu a palavra ao final do ensaio aberto, no mesmo Olido, para responder a uma pergunta sobre o processo de criação, Kouyaté narrou uma anedota na qual concluía: "É melhor você abandonar as coisas antes de ser abandonado por elas".
Foi a deixa para o diretor encerrar o brevíssimo bate-papo com uma maioria de artistas de teatro que não se deixou aquietar um instante após o belo ensaio. Temos muito a aprender, sempre.


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