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Kouyaté cultiva a escuta para contar histórias
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando você não souber para onde ir, lembre-se de onde
você veio. Foi assim, tateando
as palavras dos avós, que Sotigui Koyuaté atravessou esses
20 anos de Europa ligado ao
Centro Internacional de Criação Teatral (Cict), o grupo de
Peter Brook em Paris. Sua África natal é seu norte.
"Tierno Bokar" resulta mais
um movimento do eterno retorno. Aquele sábio homem
que viveu na República do Mali
é justamente conterrâneo de
Kouyaté.
Ator de corpo esguio, ele aparenta fragilidade que logo se
dissipa em cena, com o andar
"sobre nuvens" e o gestual de
mãos agigantadas. Ou mesmo
sentado à frente de uma platéia
que o espreita em silêncio, como numa conferência da semana passada, na Galeria Olido, em São Paulo.
Koyaté, 68, maneja com talento a arte de contar histórias.
Além de ator, pois, ele é um
"griot", como são chamados os
mestres da palavra na tradição
africana, eles que também tocam e cantam.
Ex-jogador de futebol, ex-marceneiro, ex-enfermeiro, ex-bancário etc., Koyaté trabalhava em duas companhias malinesas de artes dramáticas
quando foi convidado por
Brook e Marie-Hélène Estienne, dramaturga do Cict, para
participar da montagem do
épico "O Mahabharata" (1985).
Conheceu o Brasil em 2000,
quando atuou em "Le Costume", em Porto Alegre. Voltou
em 2003, com "Hamlet". Deu
oficinas em São Paulo e Rio.
"Obrigado por contribuírem
para o meu enriquecimento
pessoal", disse ele ao público da
Galeria Olido, logo na primeira
fala. Contou que no Mali há um
espaço teatral distinto do mundo ocidental. Trata-se do "koteba" (grande caracol). São três
grandes círculos em si mesmos. No primeiro, estão as
crianças. No segundo, as mulheres. No terceiro, os homens,
a proteger os outros dois. No
centro, dá-se a cena.
Atenção e escuta. Quando
Brook lhe deu a palavra ao final
do ensaio aberto, no mesmo
Olido, para responder a uma
pergunta sobre o processo de
criação, Kouyaté narrou uma
anedota na qual concluía: "É
melhor você abandonar as coisas antes de ser abandonado
por elas".
Foi a deixa para o diretor encerrar o brevíssimo bate-papo
com uma maioria de artistas de
teatro que não se deixou aquietar um instante após o belo ensaio. Temos muito a aprender,
sempre.
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