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"UM DIA SEM MEXICANOS"
Comédia usa preconceito às avessas
DA REPORTAGEM LOCAL
Não há possibilidade de integração na comédia "Um Dia
sem Mexicanos". Nela, o diretor
Sergio Arau imagina o que aconteceria com a Califórnia (EUA) se
toda a sua comunidade latina -o
que equivale a quase um terço da
população local- repentinamente desaparecesse, evaporasse.
O caos tomaria as ruas, conclui
o filme, que usa elementos de documentário para evidenciar o peso decisivo desses imigrantes e
seus descendentes para o funcionamento do Estado. Afinal, lembra o diretor, os norte-americanos não querem pôr suas mãos
em subempregos, e é necessário
alguém para fazer o trabalho sujo.
Ao mesmo tempo, a esses mesmos latinos serão dirigidos olhares de ódio -pessoas que vêm de
longe para "roubar" o trabalho
alheio e colocar em risco o sonho
de uma América para os americanos, impenetrável para o mundo.
Trata-se de contradição que
ilustra anos e anos da história da
humanidade envolvendo movimentos migratórios, vizinhos que
não se toleram, fronteiras fixadas
em guerras, ocupações e massacres. Da faixa de Gaza à Daslu, a
coexistência é algo inevitável.
"Um Dia sem Mexicanos" caminha na tradição do realismo
fantástico para dar conta desse cenário -há uma misteriosa névoa
que circula a Califórnia e a isola
do resto do mundo. O filme invade o território do cinema-realidade que prega suas verdades e toma de assalto estruturas de "reality shows", telejornais, videoclipes e novelões bregas e... mexicanos (adjetivo desrespeitoso?).
Nesse amontoado de referências, Arau ridiculariza parte da sociedade norte-americana. Reacionário, como um Michael Moore
às avessas, usa o preconceito para
lutar contra o preconceito e perde
aí seu poder de persuasão. É precário, portanto, não só no seu baixo orçamento e nas limitações
técnicas e de imaginação.
O fato é que o filme estende um
curta feito pelo próprio diretor. A
premissa básica permanece, resultando em uma produção que
tem um ótimo e suficiente trailer.
Personagens são estereótipos raciais, e situações servem apenas
para ilustrar suas informações;
entram na jogada o fanatismo religioso, a paranóia militar, a teoria
da conspiração -os mexicanos
seriam os alienígenas que se infiltram em um mundo promissor
para dominar a região.
Se o método de exposição de
sua idéia -mostrar o que acontece quando pessoas invisíveis somem de vista- é meramente
acumulativo, a conclusão reafirma e, de certa forma, justifica a lógica de funcionamento dessa estrutura. Aí, sim, o que durante
mais de uma hora era somente tedioso se torna revoltoso.
(BRUNO YUTAKA SAITO)
Um Dia sem Mexicanos
A Day without a Mexican
Direção: Sergio Arau
Produção: EUA/Espanha/México, 2004
Com: Caroline Aaron, Tony Abatemarco
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco, HSBC Belas Artes, SP Market e circuito
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