São Paulo, sexta-feira, 19 de agosto de 2005

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"UM DIA SEM MEXICANOS"

Comédia usa preconceito às avessas

DA REPORTAGEM LOCAL

Não há possibilidade de integração na comédia "Um Dia sem Mexicanos". Nela, o diretor Sergio Arau imagina o que aconteceria com a Califórnia (EUA) se toda a sua comunidade latina -o que equivale a quase um terço da população local- repentinamente desaparecesse, evaporasse.
O caos tomaria as ruas, conclui o filme, que usa elementos de documentário para evidenciar o peso decisivo desses imigrantes e seus descendentes para o funcionamento do Estado. Afinal, lembra o diretor, os norte-americanos não querem pôr suas mãos em subempregos, e é necessário alguém para fazer o trabalho sujo. Ao mesmo tempo, a esses mesmos latinos serão dirigidos olhares de ódio -pessoas que vêm de longe para "roubar" o trabalho alheio e colocar em risco o sonho de uma América para os americanos, impenetrável para o mundo.
Trata-se de contradição que ilustra anos e anos da história da humanidade envolvendo movimentos migratórios, vizinhos que não se toleram, fronteiras fixadas em guerras, ocupações e massacres. Da faixa de Gaza à Daslu, a coexistência é algo inevitável.
"Um Dia sem Mexicanos" caminha na tradição do realismo fantástico para dar conta desse cenário -há uma misteriosa névoa que circula a Califórnia e a isola do resto do mundo. O filme invade o território do cinema-realidade que prega suas verdades e toma de assalto estruturas de "reality shows", telejornais, videoclipes e novelões bregas e... mexicanos (adjetivo desrespeitoso?).
Nesse amontoado de referências, Arau ridiculariza parte da sociedade norte-americana. Reacionário, como um Michael Moore às avessas, usa o preconceito para lutar contra o preconceito e perde aí seu poder de persuasão. É precário, portanto, não só no seu baixo orçamento e nas limitações técnicas e de imaginação.
O fato é que o filme estende um curta feito pelo próprio diretor. A premissa básica permanece, resultando em uma produção que tem um ótimo e suficiente trailer. Personagens são estereótipos raciais, e situações servem apenas para ilustrar suas informações; entram na jogada o fanatismo religioso, a paranóia militar, a teoria da conspiração -os mexicanos seriam os alienígenas que se infiltram em um mundo promissor para dominar a região.
Se o método de exposição de sua idéia -mostrar o que acontece quando pessoas invisíveis somem de vista- é meramente acumulativo, a conclusão reafirma e, de certa forma, justifica a lógica de funcionamento dessa estrutura. Aí, sim, o que durante mais de uma hora era somente tedioso se torna revoltoso.
(BRUNO YUTAKA SAITO)


Um Dia sem Mexicanos
A Day without a Mexican
 
Direção: Sergio Arau
Produção: EUA/Espanha/México, 2004
Com: Caroline Aaron, Tony Abatemarco
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, HSBC Belas Artes, SP Market e circuito


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