São Paulo, quinta-feira, 19 de setembro de 2002

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LITERATURA

Acusado de injúria racial e incitação ao ódio religioso, escritor dá respostas irônicas em audiência em Paris

Houellebecq vai a tribunal por atacar islã

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

A audiência do escritor Michel Houellebecq no 17º Tribunal Correcional de Paris, anteontem, deve ilustrar uma das páginas interessantes da história literária da França no começo do século 21.
Ela durou mais de cinco horas e reuniu como testemunhas o escritor Philippe Sollers e o dramaturgo Fernando Arrabal, entre outras personalidades. O tribunal no Palácio da Justiça estava lotado, com a presença da mídia local e da imprensa internacional. Compareceram, entre outras celebridades, a escritora Régine Deforges e o cineasta Olivier Assayas.
O interrogatório de Houellebecq foi um espetáculo de ironia e "non sense". Risos estouravam na sala por causa das respostas do escritor. Ele é acusado, por três organizações islâmicas e a Liga dos Direitos do Homem, de injúria racial e incitação ao ódio religioso contra muçulmanos por declarações dadas à revista "Lire" (Ler). Em setembro de 2001, por ocasião do lançamento do romance "Plataforma", ele afirmou em entrevista que "a religião mais idiota é mesmo o islã".
O processo coloca em questão as idéias de um dos principais autores do país e toca em problemas cruciais da sociedade francesa, como a relação entre a laicidade republicana e a religião muçulmana. Vivem hoje na França cerca de 6 milhões de muçulmanos, com problemas de integração.
A sentença de Houellebecq será dada em 22 de outubro. O escritor pode pegar 1 ano de prisão e ter que pagar 45 mil euros de multa. A promotoria pediu a absolvição do autor, afirmando que ele não quis atingir a comunidade muçulmana ao atacar o islã.
Na audiência, o escritor respondeu às perguntas sempre em voz baixa e desviando a boca do microfone. "Eu jamais manifestei o menor desprezo pelos muçulmanos, mas sempre tive desprezo pelo islã", disse. Aproveitou para atacar todas as religiões monoteístas e seus livros sagrados, que, segundo ele, são "textos de ódio".
Ao ser interrogado, Sollers disse que é preciso considerar o humor e a ironia de Houellebecq. Arrabal, baixinho e elegante, tentou não jurar com a mão direita: "Será que posso dizer "eu prometo", em vez de "eu juro'?". No meio do interrogatório, tirou um frasco de uísque do bolso e brindou ao juiz: "A vossa saúde, Excelência!".



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