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CCBB exibe 30 filmes em retrospectiva dedicada aos 40 anos de carreira de Paulo José
Vidas secas
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Prolífico ator e diretor de teatro
e TV, Paulo José nunca dirigiu um
filme. Amigos e colegas, no entanto, contestam a informação: o
ator, que há 40 anos incorpora,
provisoriamente, tantas vidas no
cinema, é co-autor de quase todos
os filmes de que participou. Desde
o primeiro, "O Padre e a Moça",
dirigido por Joaquim Pedro de
Andrade, em 1965.
"Foi quando me senti pela primeira vez um ator. No teatro, eu
fazia de tudo, da iluminação ao
cenário. No cinema, estava tudo
pronto", diz Paulo José, descontando, com habitual modéstia, a
contribuição de sua experiência
nos palcos, iniciada profissionalmente no Teatro Arena.
Modéstia à parte, as quatro décadas de dedicação do ator ao cinema brasileiro podem ser revistas na retrospectiva "Paulo José
-°40 Anos de Cinema", que o Centro Cultural Banco do Brasil de
São Paulo realiza de amanhã até o
dia 2 de outubro. Uma mostra de
30 filmes, entre eles a cópia restaurada de "Macunaíma", protagonizados ou narrados por Paulo
José, que na quarta-feira, às 18h,
estará presente nas sessões do
curta "Amor!" e do longa "O Rei
da Noite", seguidas de um debate
com ele e os cineastas Joel Pizzini
e José Roberto Torero.
Dos palcos à tela
Nascido Paulo José Gómez de
Souza, em 20 de março de 1937,
no Rio Grande do Sul, o ator tem
como mais antiga lembrança do
cinema as animações de contos
dos irmãos Grimm, que assistia,
com sete anos, no projetor caseiro
comprado pelo pai. A casa onde
moravam em Bagé ficava atrás do
cinema Avenida, onde Paulo José
viu seus primeiros filmes com a
dupla "O Gordo e o Magro", e ainda faroestes com Roy Rogers.
Os primeiros passos como ator
foram dados no teatro do colégio
de padres salesianos que freqüentou em Bagé. No início dos anos
50, Paulo José foi para Porto Alegre, onde começou a fazer teatro
estudantil, chegando a fundar, em
1958, a companhia Teatro de
Equipe. Depois de uma temporada na capital gaúcha, em 1961, o
grupo do Teatro Arena convidou
o ator para vir a São Paulo.
"Morei na casa do Nelson Xavier, até que ele arranjou uma namorada e tive que sair. Fui viver
na rouparia do teatro, que não era
particularmente limpo. Era neo-realismo puro", brinca o ator.
A primeira vez no cinema foi
acidental. E bem-vinda. O ator,
que estava no Rio com a peça "A
Mandrágora", conta que sentiu
"muita inveja" do amigo Fauzi
Arap, ao saber que ele havia sido
escalado para "O Padre e a Moça".
Não tardou e o diretor Joaquim
Pedro de Andrade convidou o
ator para substituir Luís Jasmin,
afastado por uma hepatite.
O lançamento de "O Padre e a
Moça" foi marcante para Paulo
José. No Rio, a União Nacional
dos Estudantes planejara protestar contra o filme, que considerava "politicamente incorreto", jogando pó-de-mico e o malcheiroso ácido sulfídrico no cinema.
"Todos estavam muito apreensivos, à espera da manifestação.
Mas o filme tomou conta das pessoas, tinha um encanto muito forte. Foi um momento de conquista
daquela oposição, pela qualidade
de um filme", ressalta o ator.
Outras histórias
A carreira de Paulo José pode
muito bem funcionar como um
raio X do cinema brasileiro. O
ator aponta os ecos da ciclotimia
da produção nacional na sua filmografia: dos anos 60, em filmes
cuja linguagem ele compara à do
Dogma 95, como os de Domingos
de Oliveira. À década de 70, que
ele considera a mais triste, em que
o cinema autoral deu lugar às pornochanchadas.
"O Luís Sérgio Person, que era
um diretor autoral, fez uma ótima
paródia na época: "Cassi Jones".
Numa cena, Cassi [o próprio Paulo] abre uma porta e entram umas
30 mulheres peladas. Por fim, entra a mãe dele, de calcinha e sutiã.
Era paródia, mas era irritada."
Nos anos 80 e 90, Paulo José
passou a se dedicar mais ao teatro
e à TV. No cinema, diz ele, as duas
décadas foram uma tentativa de
chegar ao mercado internacional,
como é o caso de "A Grande Arte"
(Walter Salles, 1991).
Desde 1993 lutando, com aulas
de ginástica, piano e voz, contra o
mal de Parkinson, o ator não pára: está dirigindo o grupo Galpão
na peça "O Homem é o Homem",
de Bertolt Brecht, em BH, volta
aos palcos em 2006 com "A Ceia
dos Cardeais", ao lado de Domingos de Oliveira e Aderbal Freire-Filho, e ainda gostaria de ser dirigido, no cinema, por Beto Brant.
"Gosto dos personagens dele.
Têm uma marginalidade diferente da de Tarantino, que já virou
piada dele mesmo".
Brasília
Decepcionado eleitor de Lula,
Paulo José cita "A Vida Provisória", filme de Maurício Gomes
Leite, de 1968, que abre amanhã a
retrospectiva, como uma pequena aula sobre Brasília. O ator vive
um jornalista enviado à capital do
país e perseguido depois de apresentar documentos que comprometem o governo.
"Esse filme nos ajuda entender a
solidão do Planalto e a compreender o que está acontecendo. Brasília é um lugar alienante, onde se
perde as raízes, onde, para virar
ladrão, não custa. A escala de valores para o dinheiro é outra", diz
o ator, desapontado e preocupado com a vida política do país. "O
que me dói mais é a perda da esperança do povo. Esta irresponsabilidade é uma coisa leviana."
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