São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 2005

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CCBB exibe 30 filmes em retrospectiva dedicada aos 40 anos de carreira de Paulo José

Vidas secas

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Prolífico ator e diretor de teatro e TV, Paulo José nunca dirigiu um filme. Amigos e colegas, no entanto, contestam a informação: o ator, que há 40 anos incorpora, provisoriamente, tantas vidas no cinema, é co-autor de quase todos os filmes de que participou. Desde o primeiro, "O Padre e a Moça", dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, em 1965.
"Foi quando me senti pela primeira vez um ator. No teatro, eu fazia de tudo, da iluminação ao cenário. No cinema, estava tudo pronto", diz Paulo José, descontando, com habitual modéstia, a contribuição de sua experiência nos palcos, iniciada profissionalmente no Teatro Arena.
Modéstia à parte, as quatro décadas de dedicação do ator ao cinema brasileiro podem ser revistas na retrospectiva "Paulo José -°40 Anos de Cinema", que o Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo realiza de amanhã até o dia 2 de outubro. Uma mostra de 30 filmes, entre eles a cópia restaurada de "Macunaíma", protagonizados ou narrados por Paulo José, que na quarta-feira, às 18h, estará presente nas sessões do curta "Amor!" e do longa "O Rei da Noite", seguidas de um debate com ele e os cineastas Joel Pizzini e José Roberto Torero.

Dos palcos à tela
Nascido Paulo José Gómez de Souza, em 20 de março de 1937, no Rio Grande do Sul, o ator tem como mais antiga lembrança do cinema as animações de contos dos irmãos Grimm, que assistia, com sete anos, no projetor caseiro comprado pelo pai. A casa onde moravam em Bagé ficava atrás do cinema Avenida, onde Paulo José viu seus primeiros filmes com a dupla "O Gordo e o Magro", e ainda faroestes com Roy Rogers.
Os primeiros passos como ator foram dados no teatro do colégio de padres salesianos que freqüentou em Bagé. No início dos anos 50, Paulo José foi para Porto Alegre, onde começou a fazer teatro estudantil, chegando a fundar, em 1958, a companhia Teatro de Equipe. Depois de uma temporada na capital gaúcha, em 1961, o grupo do Teatro Arena convidou o ator para vir a São Paulo.
"Morei na casa do Nelson Xavier, até que ele arranjou uma namorada e tive que sair. Fui viver na rouparia do teatro, que não era particularmente limpo. Era neo-realismo puro", brinca o ator.
A primeira vez no cinema foi acidental. E bem-vinda. O ator, que estava no Rio com a peça "A Mandrágora", conta que sentiu "muita inveja" do amigo Fauzi Arap, ao saber que ele havia sido escalado para "O Padre e a Moça". Não tardou e o diretor Joaquim Pedro de Andrade convidou o ator para substituir Luís Jasmin, afastado por uma hepatite.
O lançamento de "O Padre e a Moça" foi marcante para Paulo José. No Rio, a União Nacional dos Estudantes planejara protestar contra o filme, que considerava "politicamente incorreto", jogando pó-de-mico e o malcheiroso ácido sulfídrico no cinema.
"Todos estavam muito apreensivos, à espera da manifestação. Mas o filme tomou conta das pessoas, tinha um encanto muito forte. Foi um momento de conquista daquela oposição, pela qualidade de um filme", ressalta o ator.

Outras histórias
A carreira de Paulo José pode muito bem funcionar como um raio X do cinema brasileiro. O ator aponta os ecos da ciclotimia da produção nacional na sua filmografia: dos anos 60, em filmes cuja linguagem ele compara à do Dogma 95, como os de Domingos de Oliveira. À década de 70, que ele considera a mais triste, em que o cinema autoral deu lugar às pornochanchadas.
"O Luís Sérgio Person, que era um diretor autoral, fez uma ótima paródia na época: "Cassi Jones". Numa cena, Cassi [o próprio Paulo] abre uma porta e entram umas 30 mulheres peladas. Por fim, entra a mãe dele, de calcinha e sutiã. Era paródia, mas era irritada."
Nos anos 80 e 90, Paulo José passou a se dedicar mais ao teatro e à TV. No cinema, diz ele, as duas décadas foram uma tentativa de chegar ao mercado internacional, como é o caso de "A Grande Arte" (Walter Salles, 1991).
Desde 1993 lutando, com aulas de ginástica, piano e voz, contra o mal de Parkinson, o ator não pára: está dirigindo o grupo Galpão na peça "O Homem é o Homem", de Bertolt Brecht, em BH, volta aos palcos em 2006 com "A Ceia dos Cardeais", ao lado de Domingos de Oliveira e Aderbal Freire-Filho, e ainda gostaria de ser dirigido, no cinema, por Beto Brant.
"Gosto dos personagens dele. Têm uma marginalidade diferente da de Tarantino, que já virou piada dele mesmo".

Brasília
Decepcionado eleitor de Lula, Paulo José cita "A Vida Provisória", filme de Maurício Gomes Leite, de 1968, que abre amanhã a retrospectiva, como uma pequena aula sobre Brasília. O ator vive um jornalista enviado à capital do país e perseguido depois de apresentar documentos que comprometem o governo.
"Esse filme nos ajuda entender a solidão do Planalto e a compreender o que está acontecendo. Brasília é um lugar alienante, onde se perde as raízes, onde, para virar ladrão, não custa. A escala de valores para o dinheiro é outra", diz o ator, desapontado e preocupado com a vida política do país. "O que me dói mais é a perda da esperança do povo. Esta irresponsabilidade é uma coisa leviana."


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