São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 2005

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CINEMA/ANÁLISE

Paulo José expande repertório do cinema nacional

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Nem sempre o jeito é sério. Em "Macunaíma", de Joaquim Pedro de Andrade, Paulo José é a face branca do herói sem nenhum caráter. Em "O Homem Nu", de Roberto Santos, ele faz o pândego sujeito que fica preso nu fora de casa e inicia um longo caminho na tentativa de voltar para o seu lar. Em "Cassi Jones", de Luís Sérgio Person, ele é o sedutor irresistível a que todas as mulheres acorrem.
Paulo José também pode ser dramático como o jornalista que, numa Brasília recém-construída, toma posse de alguns segredos comprometedores para os poderosos, o que acontece em "A Vida Provisória", de Maurício Gomes Leite. Pode ser romântico como o "Benjamin" de Monique Gardenberg, herói de "Todas as Mulheres do Mundo", de Domingos de Oliveira. Ou sorumbático como o estudante de "As Amorosas", de Walter Hugo Khouri. A enumeração parece não ter fim, e poderia prosseguir, bastando para isso seguir a programação da mostra "Paulo José - 40 Anos de Cinema", que começa amanhã no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo.

Prazer
Paulo José domina tantos registros na arte de interpretar que apenas sua presença em um filme já dá a impressão de expandir o repertório de nosso cinema. Mas talvez não seja essa sua principal característica, e sim o prazer que transmite ao espectador cada vez que entra em cena.
Seja atuando com um novato ou com um medalhão, sempre dá a impressão de ser menor do que o papel, de se aproximar de seu personagem com humildade, para, aos poucos, moldá-lo, submetê-lo, reduzi-lo a si mesmo.
Porque não vamos ao cinema para ver o personagem que Paulo José interpreta, e sim para ver Paulo José, como antigamente as pessoas iam ver Gary Cooper ou Barbara Stanwick.
Talvez no passado isso não fosse tão evidente. Ninguém foi ver "O Padre e a Moça", de Joaquim Pedro de Andrade, para ver o padre angustiado, entre a lei do celibato e a beleza de Helena Ignez (aliás, quase ninguém foi ver "O Padre e a Moça", o que é uma pena). Ninguém foi ver "Todas as Mulheres do Mundo" por sua causa. O filme era de Leila Diniz.
Mas, aos poucos, bem discretamente, ele se tornou uma referência segura de qualidade e uma garantia de diversão. Era como Marcello Mastroianni na Itália ou Alain Delon na França. A tal ponto que hoje não será absurdo falar em uma obra de ator que, nesses 40 anos, nunca perdeu entusiasmo ou vigor.

Desaparecidos
Na bela mostra organizada pelo CCBB, é preciso chamar a atenção para alguns filmes há muito desaparecidos, como "A Vida Provisória", que abre esta retrospectiva, ou "O Padre e a Moça", o primeiro e talvez o melhor Joaquim Pedro.
Há os que não chegaram a ser devidamente conhecidos, como "Os Marginais", de Carlos A. Prates e Moisés Kendler, ou ainda esses filmes em que retorna ao Rio Grande do Sul, como "Gaudêncio, Centauro dos Pampas", de Fernando Amaral, ou "O Mentiroso", de Werner Schunemann.
Mesmo nos trabalhos mais recentes, o ator demonstra disposição para transitar por registros variados, indo do histrionismo (excessivo, na verdade) de "Policarpo Quaresma, Herói do Brasil", de Paulo Thiago, ao intimismo de "Benjamin".
Por fim, é ele também o autor de uma frase que resume sua inteligência e ficou célebre a ponto de ser estampada em camisetas: "O Brasil faz o melhor cinema brasileiro do mundo". Primor de ambigüidade.


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