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MOSTRARIO
Nelson Rodrigues baixa em Pedro Almodóvar
LUIZ CAVERSAN
Diretor da Sucursal do Rio
Depois de um melodrama em
que não escondia totalmente seu
talento, mas enchia a paciência até
dos próprios fãs ("A Flor de Meu
Segredo", de 1995), o cineasta espanhol Pedro Almodóvar parece
que foi a um terreiro de umbanda,
recebeu Nelson Rodrigues de frente e realizou um dos seus melhores
filmes.
"Carne Trêmula" tem ingredientes de sobra para fazer vibrar os
aficionados do dramaturgo carioca e, ao mesmo tempo, encantar
quem não esquece jamais "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos", "Ata-me" e "Kika".
O filme, que será apresentado ao
longo do fim-de-semana na MostraRio, resgata todas as melhores
características de Almodóvar, bem
como as suas mais marcantes
idiossincrasias.
Eis a que se assiste em uma hora e
40 minutos na sala escura: exageros típicos nos cenários e figurinos
multicoloridos, firme e forte direção de atores, diálogos a um só
tempo comoventes, hilários ou absurdos, "timing" cinematográfico
identificável em raras produções
hoje em dia, domínio de luz e movimentos e enquadramentos de câmara geniais.
Tudo para dar vida a uma trama
inacreditável, tirada de um romance de Ruth Rendell. A saber: Victor
(Liberto Rabal) é filho de uma
prostituta, mas tem excelente índole, apesar de viver na lama aos
20 anos. Transou com a burguesinha maluquete Elena (Francesca Neri) e
quer mais. Mas ela estava doidona
e não se lembra de nada.
Ele insiste. Ela o rechaça. Os dois
se atracam. Surge uma arma, que
vai parar nas mãos de Victor.
Dois policiais são requisitados.
Tentam o acordo, mas o tira Sancho (Pepe Sancho) está de porre e
parte para a porrada. Um tiro é disparado e atinge a espinha do outro
policial, David (Javier Bardem).
David fica paraplégico (torna-se
ídolo na seleção paraolímpica de
basquete) e casa-se com Elena.
Victor vai para a cadeia, e Sancho
retorna para sua vidinha normal,
na qual continua a encher de uísque a própria cara e de bolacha a da
mulher, Clara (a excelente e rediviva Angela Molina). Tudo isso é apenas o começo,
consome se muito um quinto do
filme, mas dá início às implicações
rodrigueanas.
Essas passam a se desenrolar de
forma mais intensa quando Victor
sai da cadeia e começa a perseguir
Elena, ao mesmo tempo em que se
torna amante de Clara e é espionado por David, enquanto Sancho
continua na dobradinha álcool-porrada na mulher.
Daí em frente, é sexo, amor, separação, desconfiança, sonhos,
culpas, vinganças, alegrias fortuitas, ameaças, lágrimas, promessas,
traições e mortes. Bem ao estilo barroco e overdosado de Almodóvar, que tem uma
capacidade única de saltar da tragédia para o lirismo e deste para o
humor, retornando logo para o
drama profundo, como se estivesse se divertindo muito com os sobressaltos que causa no espectador
mais desavisado. Como já notou o crítico Amir Labaki, em "Carne Trêmula" Almodóvar acertou a mão.
Acertou em cheio e, além de fazer
cinema de alta qualidade, ainda
contempla as platéias femininas e
masculinas com o bifão Liberto
Rabal, que passa a ocupar o trono
que já foi do agora mascarado (ele
virou o Zorro, não?) Antonio Banderas, e com a encantadora Francesca Neri. Em tempo: a trilha sonora é ótima.
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