São Paulo, sábado, 19 de setembro de 1998

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LIVRO - CRÍTICA
Citações não deixam pedra sobre pedra


especial para a Folha


Diogo Mainardi fez o quê, em seu novo romance, "Contra o Brasil"? Numa narrativa que lembra o teatro, com muitas falas e poucas descrições, procurou explicar o Brasil colocando, na boca de outros, as razões do nosso atraso. O resultado é delicioso, polêmico e, por vezes, arrasador.
Seu personagem principal é Pimenta Bueno, um paulista erudito que parte para uma grande aventura brasileira: seguir as linhas telegráficas construídas pelo marechal Rondon na Amazônia, caminho percorrido mais tarde por Lévi-Strauss e pelo ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt.
Bueno lembra Quincas Borba, o filósofo irrelevante de Machado de Assis com sonhos de grandeza e rompantes delirantes. É o "dasein" de Heidegger, estado (exclusivo dos humanos) de estar aberto à vulnerável manifestação de entes.
Seus entes têm medalhas no peito, como Charles Darwin, Jacques Offenbach, Elizabeth Bishop, Eça de Queiroz, que estiveram por aqui e não gostaram de tudo o que viram.
Estendido no sofá, Bueno começa: "Contra o Brasil e contra os brasileiros...". Lembra-se de Lévi-Strauss, que morou nos anos 30 em São Paulo, e diz: "As construções do centro eram pomposas e fora de moda".
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Citações
A cada capítulo, uma citação, e Bueno a dizer coisas como: "O Brasil jamais gerou uma idéia. O Brasil jamais gerou uma revelação. Preciso imigrar o quanto antes para a Polônia de Chopin!".
Enquanto expulsa mendigos que ocupam um cinema de sua família, lembra das tantas revoltas facilmente sufocadas, como o Quilombo dos Palmares (1694) e a Revolta dos Alfaiates (1799). "Entre o Brasil e o Haiti, é melhor o Haiti. De fato, estou pensando em mudar pra lá", diz.
O humor transborda a narrativa. Mitos são metralhados. Gilberto Freyre tem "o estilo um tanto atrapalhado", a mulher brasileira é "a mais detestável do universo", e nós, brasileiros, "temos os piores poetas do mundo".
Aleijadinho era, de acordo com Monteiro Lobato, um "santeiro vulgar", e a lenda do boitatá é apenas uma cópia de um fenômeno europeu.
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Nhambiquaras
Bueno acaba encontrando índios que não são mais índios. Com a sua erudição, convence-os a voltarem a ser como os tais nhambiquaras contatados por Rondon e estudados por Strauss.
Das artes plásticas à filosofia, não sobra pedra sobre pedra. Mainardi pinçou até comentários de Albert Camus sobre o trânsito carioca.
Não se ofendam os patriotas, "Contra o Brasil" é um livro sobre o Brasil. Por vezes, são os olhos apoiados em preconceitos de colonizadores mais "civilizados". Mas que no fundo tocam em feridas escamoteadas. Por trás do boato, há a sombra da verdade.
(MRP)
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Livro: Contra o Brasil
Autor: Diogo Mainardi
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 19,50 (214 págs.)




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